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terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Ubiquidade educacional X grande irmão

A ubiquidade parece representar o resultado mais óbvio da evolução tecnológica: “os computadores irão se tornar máquinas integradas e ocultas, presentes no ambiente natural do ser humano” (Andrade, 2009), invisíveis, mas em qualquer lugar à nossa volta, como previu o profeta da ubiquidade, Mark Weiser (Weiser, 1991).
Essa realidade está cada vez mais presente nos dispositivos móveis, como o GPS e o celular, e nos “lugares digitais”: nas grandes cidades, “os tradicionais espaços de lugar (rua, praças, avenidas, monumentos) estão, pouco a pouco, transformando-se em espaços de fluxos, espaços flexíveis, comunicacionais” (Lemos, 2004).
Se, por um lado, essa tendência possibilita uma interação mais inteligente e imediata entre o ser humano e a pólis, por outro lado, transforma em coisa concreta o olhar vigilante do “grande irmão” de Orwell. De fato, o grande irmão já está (oni)presente na Internet: o meu acesso à rede mundial de computadores gera um IP (Internet Protocol), endereço que indica o “local” da minha máquina. Cada url que digito, a cada consulta ao Google, a cada cadastro em um site, estou fornecendo informações que dizem quem eu sou: meus gostos, preferências e até mesmo o tempo total que passo na web.
Nas metrópoles, os cidadãos estão sob a constante vigilância de milhares de câmeras. Além disso, sistemas cada vez mais inteligentes passam a definir a relação do cidadão com a cidade. “A cidade invasiva ou perversa compreenderia então um ambiente onde a massificação dos objetos digitais no cotidiano permitiria a invasão da publicidade e a divulgação das nossas vidas privadas” (Leite, 2008). Assim, “manter a privacidade pessoal numa sociedade ubíqua será altamente complexo e quase impossível” (Gadzheva, 2008, apud Mídias na Educação, Convergências das Mídias, Mobilidade e ubiquidade).
Contrapor-se a essa realidade requer mais que uma ética, mas um projeto social de uma educação ubíqua, “que pressupõe apropriação e uso social” (Lemos, 2004) da tecnologia para a ação e que reverta a dupla perda de identidade a que estamos expostos: a de portadores de “chips invisíveis”, acessíveis ao olho do grande irmão, e de comportamentos indiferenciados que garantem a primazia do “modelo” Homer Simpson como expressão da alienação midiática.
Assim, a ubiquidade deve revelar-se uma experiência positiva:
(...) Do ponto de vista da memória dos lugares, podem ser ampliadas as capacidades de reunir questões locais em torno do um imaginário coletivo, da transmissão de saberes, do conhecimento passado de geração em geração, da promoção de uma identidade e da participação civil (Leite, 2008).
Contudo, “faz-se necessário, no entanto, evitar que os lugares de ubiquidade se submetam às dinâmicas econômicas e comerciais, cujos interesses transformam a percepção estética e a apreensão afetiva do lugar” (idem).
O desenvolvimento de uma educação ubíqua passa pela efetivação da escola integral e pela integração invisível da educação à vida social. Weiser (1991) destaca a escrita como uma tecnologia ubíqua nos países industrializados, lembrando-nos da grande responsabilidade educacional (política) das nações com elevado número de analfabetos, como o Brasil. Dessa forma, a ubiquidade educacional só pode ser realizada a contento após um esforço consciente de “visibilidade” das tarefas educacionais pendentes, como a garantia do acesso à escola, a permanência nela e o sucesso escolar.
Moll (2009) estabeleceu importantes reflexões que convergem para a ideia que temos de uma educação ubíqua:
A cidade precisa ser compreendida como território vivo, permanentemente concebido, reconcebido e produzido pelos sujeitos que a habitam. É preciso associar a escola ao conceito de cidade educadora, pois a cidade, no seu conjunto, oferecerá intencionalmente às novas gerações experiências contínuas e significativas em todas as esferas e temas da vida (Moll, 2009, p. 15).
A ubiquidade educacional é uma utopia possível, no marco da ubiquidade como processo social. Nas palavras de Moll (idem):
Pensemos ainda na escola em meio a um processo que imbrica os saberes que “circulam” nas praças, nos parques, nos museus, nos teatros, nos cinemas, nos clubes, nos espaços de inclusão digital, nos movimentos em favor dos direitos humanos materializados na proteção das mulheres, das crianças e dos jovens (ibidem, p. 15).
Tratar a ubiquidade nessa perspectiva é afirmar “um novo humanismo, através da conversão da vida quotidiana na cidade em obra, apropriação e valor de uso” (Sousa, 2009), embutida nessa visão uma ética de respeito aos direitos do cidadão e de construção de uma educação com tendência a ocupar os lugares públicos invisivelmente.

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Luiz Adolfo de. Apresentação do texto de Mark Weiser (1991). Disponível em:
http://www.andrelemos.info/midialocativa/2008/09/apresentao-do-texto-de-mark-weiser-1991.html. Acesso em 16 fev 2010.
GADZHEVA, Maya. Location privacy in a ubiquitous computing society. In: International Journal of Electronic Business. - Vol. 6, No. 5 pp. 450 – 461. 2008. Disponível em:
http://www.inderscience.com/search/index.php?action=record&rec_id=21181&prevQuery=&ps=10&m=or. Acesso em 17 fev 2009.
LEITE, Julieta. A ubiqüidade da informação digital no espaço urbano. In: LOGOS 29 - Tecnologias e Socialidades. Ano 15. no. 29. UERJ. Rio de Janeiro. 2008. Disponível em:
http://www.logos.uerj.br/PDFS/29/10JULIETA_LEITE.pdf. Acesso em 16 fev 2010.
LEMOS, André. Cibercultura e mobilidade. In: Razón y palabra - Octubre –Noviembre 2004. Disponível em:
http://www.cem.itesm.mx/dacs/publicaciones/logos/anteriores/n41/alemos.html. Acesso em 10 fev 2010.
MOBILIDADE E UBIQUIDADE. Mídias na Educação, Convergências das Mídias. Disponível em:
http://200.130.6.210/webfolio/Mod83527/etapa3/pag15.html. Acesso em 10 fev 2010.
MOLL, Jaqueline. Um paradigma contemporâneo para a educação integral. In: Pátio, Ano XIII, Nº 51, ago/out 2009.
Sousa, J. Francisco Saraiva de. Henri Lefebvre: crítica do urbanismo. CyberCultura e Democracia Online. Disponível em:
http://cyberdemocracia.blogspot.com/2009/06/henri-lefebvre-critica-do-urbanismo.html. Acesso em 23 fev 2010.
WEISER, Mark. The Computer for the 21st Century. Disponível em:
http://nano.xerox.com/hypertext/weiser/SciAmDraft3.html. Acesso em 17 fev 2010.