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segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

pequeno poema para grandes pessoas

era uma vez um lugar
que descobriu
a importância de alfabetizar
meninos & meninas
antes da noite chegar
e a ignorância cobrir suas almas
de terrores & desenganos
roubando-lhes o tempo certo

la'stá...
:-) :-)
eu os vejo
sem veredas
ou caminhos incertos
mas, sem dúvida,
atravessando sertões & desertos
lendo versos
contando lendas
cantando parlendas
embonitando cadernos
pendurando nas costas as mochilas
destino? o país certo

quem são esses seres
que badalam seus abracadabras
carregando caixas mágicas
& palavras
& enredos que se desenrolam
aos olhos das crianças
no olho-no-olho?

quem são essas sherazades
esses patativas
esses pássaros cujas gaiolas
do passado
não os impede
hoje
de cantar seu belo canto?

la'stá aquela menina
com a mão vermelha de bolos
e que hoje já não
se envergonha
de contar nos dedos
e ensinar a contar nos dedos
sentada no chão
arrodeada 
de crianças
la'stá...

são mestres
da arte do encantamento
(mas, se a este pobre trovador
vossa paciência permite a precisão dos versos,
permita-me pois o emprego do feminino plural
para dizer que quase todos eles
são elas)

são mestras do deslumbramento
que desanuviam o céu das palavras
& dos números
e ainda têm seu próprio dever de casa
suas crianças para cuidar
(inclusive aqueles meninos trajando a pele de homens feitos)

alfabetizadores, alfabetizadoras
sabem que a vida é dura,
a mesa não é farta
e a missão é de gigantes
mesmo assim
estão aí
empunhando suas espadas
contra o monstro da ignorância
para que esta abominação
não rapte das crianças o tempo certo
e as transformem em homens & mulheres
cabisbaixos

alfabetizadores, alfabetizadoras
no reino do era-uma-vez
plantastes
a esperança


Santa Inês, Maranhão, 17 de janeiro de 2015.

Para:

Ana Eva, Conceição, Erika, Fernanda, Francimara, Gilzamara, Gorete, Iracélia, Iraneide, Ivanda, Januário, Juju, Karilene, Marcleide, Maria Amélia, Maria Betânia de Oliveira Barbosa, Maria Betânia Oliveira, Maria Betânia Santos Silva, Marina, Mauro Cajé, Rode, Rosineide, Rute Saray, Ruty Loide, Tânia, Valdisa,
Valmilúcia e todos os que andam de mãos dadas com o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa .
















domingo, 11 de janeiro de 2015

A silenciosa e criativa rebeldia dos que compram calças masculinas



Há um episódio pouco conhecido da história do Brasil. Trata-se do “Quebra-quilos”, revolta que começou na Paraíba e espalhou-se por outros estados nordestinos.
Era época do Império, sob a regência de Dom Pedro II. Em 1862, o governo imperial tornou obrigatório o uso do Sistema Métrico Francês, em substituição ao sistema de pesos e medidas vigente na época. Foi estabelecido o prazo de dez anos para a substituição gradual de um sistema pelo outro. Mas, passado esse prazo, poucas providências tinham sido tomadas para que as mudanças acontecessem. O governo determinou que a partir de julho de 1873 as mercadorias deveriam ser medidas ou pesadas de acordo com o novo sistema de pesos e medidas e quem desobedecesse a essa ordem seria punido com multa ou prisão.
Naquela época usavam-se medidas como a vara para a venda de tecidos, as libras e os arreteis para a carne seca, o bacalhau e o açúcar. Líquidos se mediam em canadas e quartilhos e o arroz, o feijão e a farinha em selamins, quartas e alqueires. A obrigatoriedade de abandonar essas medidas tradicionais e adotar o sistema métrico francês, aliada às medidas repressivas como a prisão pelo não cumprimento da lei, além dos altos impostos cobrados pelo governo, fez com que a revolta eclodisse, levando as pessoas a questionar as autoridades governamentais, recolher os pesos e medidas e jogá-los nos açudes. De 1874 a 1875, populações da Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Alagoas enfrentaram as forças do governo imperial. Essa foi a Revolta do Quebra-Quilos.

Eis que estamos numa reunião para discutir o ensino da matemática no ciclo de alfabetização e levanto a questão dessas medidas não oficiais, ainda hoje existentes, principalmente na zona rural, e que muitas vezes a escola ignora ou discrimina. São dados exemplos os mais variados, mas o que mais me chama a atenção é o relato da professora Maria do Carmo, que lembra que muitos homens, quando vão comprar calça, usam o próprio pescoço como instrumento de medida: colocam a metade da circunferência externa da calça (a parte de trás, a parte da bunda) ao redor do pescoço; se as extremidades se encontram, sem sobra de tecido, a calça serve.  Diante de minha admiração, as demais pessoas presentes confirmam a infalibilidade do método, com uma ressalva: não vale para as mulheres, só para os homens. Todos ali já sabiam disso, exceto eu.
Vejo essa forma de comprar calças masculinas como uma rebeldia silenciosa e criativa do povo contra as medidas padronizadas da indústria de confecções.  
Eis que estamos numa reunião de orientadores de estudos, novamente discutindo conceitos e métodos para o bom encaminhamento da matemática nos anos iniciais de escola, e relato aos meus companheiros e companheiras de reflexões a “minha” descoberta daquele método de comprar calças. Todos sorriem com meu ar de surpresa: não era novidade para eles. Mesmo assim, decido fazer uma enquete e peço que, como eu, levante a mão quem desconhecia aquele inusitado uso do pescoço masculino; ninguém ergueu o braço; eu, somente eu, ignorava esse gesto social que acontece diariamente em milhares de feiras e lojas de roupas pelo Brasil afora. Terminada a rápida enquete, uma colega me pergunta onde eu nasci, questionamento que eu traduzi como: “de que planeta você é?”.
Chego em casa ainda encantado com a novidade-já-não-tão-nova (encanto-me facilmente com as coisas que aprendo) e vou jantar um belíssimo baião-de-dois.
Baião-de-dois feito com um mói de feijão verde comprado na véspera. Faltou a cuia de farinha.

Pio XII, Maranhão, 18h31min de 11/01/2015.

Para todos os que lutam pela alfabetização na idade certa em nosso país.