Ela estava dentro
de casa quando ouviu os gritos dos vizinhos: a casa estava pegando fogo. Saiu
às pressas; conseguiu se salvar. O incêndio fora provocado pelo seu
companheiro, que tentou matá-la queimada, ao mesmo tempo em que destruía a
casa.
Ela estava numa
festa, com vários “amigos”. Começa a beber, tenta parar, mas os tais “amigos” a
incentivam a continuar. Embriagada, é abusada sexualmente pelos “amigos”.
Ela estava bebendo
com um colega de escola. Ele colocou algo na bebida, sem que ela
percebesse. O “boa noite, Cinderela” funciona e ele abusa sexualmente dela.
Ela foi estuprada
por quatro “conhecidos” seus. Engravidou, teve o filho. Passou, às vezes, a
desenvolver um comportamento incoerente, imprevisível. Algumas pessoas riam
dela, achando-a louca.
Ela não queria
ficar sozinha em casa com o padrasto. Quando a mãe saía, o padrasto abusava
dela.
Ela estava bebendo
com um “amigo”, comemorando o aniversário dele. Embriaga-se, acorda na cama do
“amigo” e descobre que foi abusada por ele.
Todas essas
situações são reais.
São algumas das histórias
que ouvi na escola, ao longo dos anos, narradas pelas próprias vítimas ou por colegas
delas. A violência e a falta de respeito para com a mulher é, portanto, um
problema cotidiano que, mesmo que não nos atinja diretamente, não tem como
ignorá-lo, pois somos criaturas humanas que sentem, não somos pedras: como não
ver ou não escutar o clamor dessas mulheres com suas almas doloridas?
“Elas provocaram”,
dizem alguns cínicos, referindo-se ao estupro. É como se essa desculpa, que é do tempo-do-bumba, tentasse justificar o crime do ladrão pelo fato de a janela de
sua casa não estar devidamente fechada
ou você estar cochilando no banco da praça… Mas… Nem isso. Uma exposição em
Bruxelas, na Bélgica, com roupas de vítimas de estupro, mostra que essa “explicação”
não tem fundamento. Segundo a BBC, “a mostra traz trajes que mulheres e meninas
estavam usando no dia em que sofreram a violência sexual e reúne calças e
blusas discretas, pijamas e até camisetas largas”.
Mas, se não
podemos ignorar a cultura da violência contra a mulher e, principalmente, a
cultura do estupro, tão perto de nós, também não podemos fingir que não vemos
as idiotices postadas nas redes sociais com aquelas comparações esdrúxulas em
que as mulheres são provocadas a realizar tarefas pesadas ou difíceis, em que
se conclui que o sexo feminino deve, assim, conhecer o seu lugar ou, em outras
palavras, reconhecer a sua submissão ao homem. São idiotices, já falei, mas são
idiotices que estimulam a misoginia e que ecoam na mente fascista dos babacas
que se creem machos e superiores e que acham que as mulheres podem ser
agredidas ou violentadas caso “ousem” discordar das vontades do homem. Postura mais
que medieval, pré-histórica, do tempo das cavernas, anacronicamente presente em
pleno século XXI.
Dia desses vi uma
postagem dessas, de um ex-aluno, um jovem que havia se destacado com
brilhantismo no ensino médio. No texto, ele ridicularizava as mulheres. Descobri
depois o seu ódio pela ex-presidenta Dilma Rousseff e a sua idolatria por Jair Bolsonaro.
Não é coincidência. No Brasil, ridicularizar as mulheres, naturalizar a
violência dos homens, atacar Dilma, Lula, o PT e os governos petistas, defender
a ditadura e Bolsonaro tem sido um comportamento que se enquadra nessa lógica
fascista: as mulheres devem ser espezinhadas no dia a dia e aniquiladas
politicamente.
Quando vejo um
jovem destacado nos estudos propagando o desrespeito às mulheres e se comportando
como um fascista (como um fascista, Deus meu, como um fascista?) vem-me a
pergunta: onde falhamos, nós, professores? Onde falhou a escola? Lembrei-me daquela
mensagem deixada por um sobrevivente do holocausto nazista:
“[…] Meus olhos viram o que nenhuma pessoa devia presenciar. Câmaras de gás
construídas por engenheiros ilustrados, crianças envenenadas por médicos
instruídos. […] Assim, desconfio da educação. Meu pedido é o seguinte: ajudem
os seus discípulos a serem humanos. […] Ler e escrever, saber História e
Aritmética só são importantes se servirem para tornar os nossos estudantes
humanos.”
Então, parece que
temos que fazer o óbvio: propor e realizar uma Educação do Respeito; uma
educação que diga e repita o óbvio: todos e todas devem ser tratados
respeitosamente.
Mas, essa educação
não pode ser pensada e realizada sem que revisemos o conceito de cabra-macho, expressão
bem brasileira que resume o machismo planetário. Segundo o Dicionário Unesp do
Português Contemporâneo, cabra-macho significa: “homem destemido; valentão”. Eu,
porém, desconfio que os cabras-machos possuem muitos medos, sim, e seu suposto
destemor seja apenas uma fachada para ocultar aqueles medos. Principalmente o
medo diante da mulher e seus mistérios… (finalmente, um pouco de poesia no
texto).
Logo, proponho que
redefinamos o termo “cabra-macho”, que deve também ganhar uma nova escrita, sem
hífen, ficando assim: cabramacho. Proponho também novos significados:
Cabramacho não é o que se vangloria de ter “pego” a
mulher, mesmo contra a vontade dela; cabramacho
é aquele que sabe ouvir a mulher e compreender seus desejos (bem como quando
ela não está a fim); macho é o cabra que tem a coragem de ouvir e aceitar um “não”;
Cabramacho não é o que fica esperando que a mulher
faça todo o trabalho de casa, mas o que sempre se apresenta como parceiro nas
tarefas do lar;
Cabramacho não é o que dá cantadas baratas, faz
elogios sexuais e ainda se acha engraçado e espirituoso; cabramacho é o que consegue conversar sobre os mais diversos
assuntos com a mulher, inclusive sobre relações afetivas, sem qualquer
demonstração da pretensa superioridade masculina; sabe ele, cabramacho, que os machos não são seres
superiores.
Cabramacho não é o sempre-destemido, mas, ao
contrário, o que tem a coragem de revelar seus medos.
Eis a síntese da
cabramachice: a consciência de que os machos não são superiores.
Talvez, devamos
começar por aí a revolucionária – embora, já disse, óbvia – Educação do
Respeito.
Exposição na Bélgica traz
roupas de vítimas de estupro para romper mito de 'culpa da mulher'. In: http://www.bbc.com/portuguese/geral-42643532.
Acesso em: 06 mar 2018.
Carta de um sobrevivente do
holocausto. Disponível em várias páginas na internet.