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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Um loop que a ficção não imaginou

 


Um filme que gosto muito, hoje um clássico da comédia, é “Feitiço do tempo”. Nele, um personagem, interpretado por Bill Murray, acorda a cada manhã e descobre que está vivendo o mesmo dia da véspera. As mesmas situações se repetem após cada despertar. Ele está no que parece ser um eterno loop temporal.

Eu, como muitos, cheguei por um momento a imaginar que teríamos um 2021 diferente, com a covid19 sob controle e a vida de volta à normalidade.

Mas, ainda no final de 2020, comecei a duvidar do meu otimismo, ao analisar o cenário político brasileiro e mundial. E eis que a gente entra em 2021 com a mesma sensação de que tudo está se repetindo. Vivemos um loop... Um loop que a ficção não imaginou.

Apesar da tragédia mundial que é a covid19, alguns políticos trataram a pandemia com descaso e negligência. Agindo com a visão capitalista de que o lucro é mais importante que a vida, presidentes como Trump e Bolsonaro desprezaram a ciência e tentaram impor à sociedade uma impossível normalidade. Ambos foram derrotados pela realidade, mas jamais se mostraram sensíveis à tragédia: meio milhão de pessoas morreram de covid19 nos Estados Unidos e no Brasil estamos chegando aos 250 mil mortos. Não por coincidência, os dois países, em primeiro e segundo lugar, respectivamente, em número de óbitos por covid19 no mundo.

A divulgação de fakes, a desinformação, características comuns a Trump e Bolsonaro e a seus seguidores, tiveram e têm um papel crucial no aumento da covid19. Divergir das medidas de isolamento, repudiar o uso da máscara, utilizar medicamentos ineficazes, como a cloroquina e espalhar mentiras sobre o perigo das vacinas, são atitudes anticientíficas que têm contribuído para a persistência da pandemia.

É deprimente, principalmente, ver pessoas pobres alardeando essa desinformação, até porque o maior número de vítimas está entre os pobres. Segundo o jornal The Guardian, em seis meses de pandemia, a expectativa de vida dos norte-americanos reduziu-se em um ano, mas, para os afro-americanos, o impacto foi três vezes mais severo.

No final de janeiro, a prefeitura de São Luís divulgou o número de casos e óbitos de covid19 por bairro, na capital do Maranhão. Renascença, por exemplo, o bairro-símbolo da burguesia ludovicense, registrou, até o final de janeiro, 324 casos e 17 óbitos (5% dos casos). Já o bairro Cidade Operária, com bem menos casos (248), perdeu 52 vidas para a covid19 (21% dos casos!).

Ou seja, esses números mostraram que a covid19 pode até ser “democrática” ao atingir pobres e ricos, mas não é nada “democrática” quando “escolhe” quem vive e quem morre.

Então, depois de tudo o que já passamos em 2020, leio a notícia de que há mais de trinta dias o Brasil está com uma média móvel de mil mortes diárias. Pior: Miguel Nicolelis, um dos mais conceituados cientistas brasileiros, declarou hoje que o Brasil é “o maior laboratório a céu aberto onde se pode observar a dinâmica natural do coronavírus sem qualquer medida eficaz de contenção”.

Os loops temporais da ficção proporcionam aos personagens a possibilidade de ir aprendendo, consertando suas falhas e intervindo positivamente nas situações, depois de tanto vivê-las repetidamente.

Assim, no loop que ora vivenciamos, poderíamos, então, dizer que hoje estamos mais maduros para lidar com a pandemia, isolamento, solidão e as barreiras da nossa psique? Mas quem garante isso?

Quem garante que um ano de pandemia deu às pessoas um diploma de especialização em covid19, pandemias em geral e neuras correlatas?

É possível falar assim de “pessoas”, de uma maneira genérica e abstrata? Sei que não é fácil ser um dos 14 milhões de desempregados brasileiros, enfrentar o loop da pandemia e ainda concordar com os conselhos da apresentadora de TV, de que, para o nosso bem, precisamos controlar melhor nossas emoções...

O ano letivo de 2021 no Maranhão está começando. Com a mesma sensação de deja vu. E a mesma vontade de estar perto, do olho no olho, da aula ecoada, discutida, construída democraticamente no espaço escolar; ou vivida, convivida, experienciada no espaço comunitário.

Só saudades, no momento.

Enquanto a vacina não chega para alunos, professores e demais trabalhadores da educação, nossa tarefa é combater a desinformação e os governos servis ao mercado: ambos deseducam, favorecem ricos e assassinam pobres.


A Monalisa de máscara é uma imagem de uso livre, disponível em: https://pixabay.com/pt/illustrations/monalisa-mona-lisa-m%C3%A1scara-pintura-4893660/