Cantando a dor negra,
lembrando atentos
a todos a simples verdade
evidente:
o negro não vive toda
plenamente
a vida pedida em tantos
lamentos.
Veio a liberdade, com seus
desalentos,
direitos e chances ao negro
negar,
e esse sistema, então,
disfarçar:
pois o sofrimento bem muito
durava
e a tal liberdade pouco
avançava
(e as águas dos olhos
correndo pro mar).
De cá eu insisto em tambores
ouvir,
sons que vêm no vento, vêm
no pensamento,
trazendo esperança, trazendo
um alento,
vontade de sonhar, sonhar e
dormir…
Heróis que lutaram, nunca a
desistir
de, em prol de ser livres,
sempre pelejar,.
fazendo poesias, na lida a
sonhar,
artistas, capoeiras, grandes
pensadores,
na arte, suas fés e seus
dissabores,
eu lembro, cantando na beira
do mar.
E da Balaiada vem sangue,
pesares...
Mas aplaudo o Cosme, esse
líder nato,
e a sua escola, no meio do
mato:
carvão nas mãozinhas
traçando lugares,
desenhos de nomes, sonhando
com mares,
por terras longínquas, livres
a voar,
crianças que aprendem o valor
do sonhar
e, como Palmares, sonham com a
união
de brancos, de negros, uma só
nação,
cantando felizes na beira do
mar.
Eu vejo Maria Firmina dos Reis
montar uma escola e ser escritora.
Em seu lindo trabalho como professora,
ver nas criancinhas rainhas e reis.
Usando a palavra muito ela fez:
num grande romance a nos
retratar
a vida sofrida do escravo, a
lidar
com dores, rancores, tanto
sofrimento...
De “Úrsula” ecoam beleza e
lamento
que ora celebro, na beira do
mar.
Irmãos da cor negra, irmãs,
ancestrais,
eu ouço tambores, ouço
tantas vozes,
cantigas, poemas e sonhos
velozes
de quem já não aguenta gemer
tantos ais…
Abusos, violências, racismo
demais,
os negros, sim, sofrem, até
ao lembrar
o olhar que reprova, a polícia
na cola,
angústia, terror e a paz que
não rola,
enquanto eu protesto na beira
do mar.
Sonhava aplaudir o momento
marcante
em que se relembra o fim duma
tristeza.
Deixar o amargor, brindar a
beleza
de uma nação que se quer
gigante.
Mas é dor profunda, tão
angustiante...
Calados é que não podemos
ficar,
Vendo o preconceito a se
arrastar
por cento e trinta anos de
história:
é chamar os ancestrais,
cantar a memória,
esperança e luta, na beira do
mar.
Para Zé Pretinho,
esquecido poeta genial, criador do galope à beira-mar.