Pesquisar este blog

terça-feira, 29 de maio de 2018

130 anos de abolição?



Cantando a dor negra, lembrando atentos
a todos a simples verdade evidente:
o negro não vive toda plenamente
a vida pedida em tantos lamentos.
Veio a liberdade, com seus desalentos,
direitos e chances ao negro negar,
e esse sistema, então, disfarçar:
pois o sofrimento bem muito durava
e a tal liberdade pouco avançava
(e as águas dos olhos correndo pro mar).

De cá eu insisto em tambores ouvir,
sons que vêm no vento, vêm no pensamento,
trazendo esperança, trazendo um alento,
vontade de sonhar, sonhar e dormir…
Heróis que lutaram, nunca a desistir
de, em prol de ser livres, sempre pelejar,.
fazendo poesias, na lida a sonhar,
artistas, capoeiras, grandes pensadores,
na arte, suas fés e seus dissabores,
eu lembro, cantando na beira do mar.

E da Balaiada vem sangue, pesares...
Mas aplaudo o Cosme, esse líder nato,
e a sua escola, no meio do mato:
carvão nas mãozinhas traçando lugares,
desenhos de nomes, sonhando com mares,
por terras longínquas, livres a voar,
crianças que aprendem o valor do sonhar
e, como Palmares, sonham com a união
de brancos, de negros, uma só nação,
cantando felizes na beira do mar.

Eu vejo Maria Firmina dos Reis
montar uma escola e ser escritora.
Em seu lindo trabalho como professora,
ver nas criancinhas rainhas e reis.
Usando a palavra muito ela fez:
num grande romance a nos retratar
a vida sofrida do escravo, a lidar
com dores, rancores, tanto sofrimento...
De “Úrsula” ecoam beleza e lamento
que ora celebro, na beira do mar.

Irmãos da cor negra, irmãs, ancestrais,
eu ouço tambores, ouço tantas vozes,
cantigas, poemas e sonhos velozes
de quem já não aguenta gemer tantos ais…
Abusos, violências, racismo demais,
os negros, sim, sofrem, até ao lembrar
dos medos de ontem, ainda a assustar:
o olhar que reprova, a polícia na cola,
angústia, terror e a paz que não rola,
enquanto eu protesto na beira do mar.

Sonhava aplaudir o momento marcante
em que se relembra o fim duma tristeza.
Deixar o amargor, brindar a beleza
de uma nação que se quer gigante.
Mas é dor profunda, tão angustiante...
Calados é que não podemos ficar,
Vendo o preconceito a se arrastar
por cento e trinta anos de história:
é chamar os ancestrais, cantar a memória,
esperança e luta, na beira do mar.


Para Zé Pretinho, esquecido poeta genial, criador do galope à beira-mar.

terça-feira, 15 de maio de 2018

Então, sou avô!




Então, sou avô!
Faz uma semana que entrei no reino da “vovonidade”, espécie de dupla paternidade ou maternidade, condição que pode ser confundida com o despontar da maturidade ou o prenúncio da terceira idade. Ou com nada disso: ser somente um momento singularmente místico (somente, eu disse?). Então, aos 49 anos de idade, tornei-me avô duma linda menina.
E, como todo avô “muderno” (e babão), passo meus dias tirando fotos da minha netinha (quando acorda, quando sorri, quando se espreguiça), enviando-as para as pessoas da família. Sinto-me feliz por viver numa época em que podemos registrar imediatamente os momentos marcantes da nossa vida e compartilhá-los com amigos e familiares. Que sorte, a nossa.
Mesmo que estejamos seguindo o modismo atual, fotografar acontecimentos diários e postar imediatamente nas redes sociais, mesmo que agindo meio Maria-vai-com-as-outras, estamos tecendo nossa memória singular que, numa teia de tantos posts similares, compõem algo como uma memória social, descontados os clichês presentes em cada postagem (não sei se a semiótica, a sociologia, a psicologia etc. se interessam por essa imprescindível constatação científica de um recém-avô…).
Mas, talvez as pessoas da minha geração se lembrem – e se lamentem – que o nosso vínculo com as nossas origens nem sempre foi tão direto e transparente. E foi assim que, ao tornar-me avô, constato, melancólico, que não sei os nomes das minhas avós. Isso mesmo: não sei como minhas avós se chamavam. Sei que meus avôs eram o senhor Manoel (o qual ainda cheguei a conhecer) e o senhor Simão Lino (que, infelizmente, não conheci). Mas… e minhas avós, como se chamavam? Por que seus nomes foram apagados das nossas vidas? (sim, pois sei que a maioria dos netos, meus irmãos, também vivem nesse estado de ignorância). Seus nomes foram esquecidos somente pelo fato de serem mulheres?
Não sei qual a explicação, leitores, mas peço-vos paciência e compreensão: terei agora que concluir esta crônica, pois já-já vou telefonar para minha mãe e resolver duma vez essa pendência familiar. Finalmente irei conhecer os nomes das minhas avós… Ah, mas antes disso, lembrei-me: tenho que tirar mais uma foto da minha netinha...  

Pio XII, Maranhão, 18h22min do dia 15/05/2018.