sábado, 9 de maio de 2020
O dia em que o papa Francisco conheceu pessoalmente minha mãe, Dona Mazé
Se o papa conhecesse
Minha mãe, Dona Mazé,
Não demorava nadinha
E ele voava pra cá
Para conhecer de perto
Vinha prosear com ela
Sentar na sala do santo
Para debulhar lembranças,
Causos, ensinamentos
E anedotas, até
O tempo seria pouco
Mas também não é brincadeira
São 168 anos
Lado a lado, em palestra
(São 84 dele, mais 84 dela)
Mamãe lhe perguntaria
Sobre certas profecias
Do tempo dela menina
E que hoje ela vê,
Com tristeza, acontecendo
Francisco perceberia
Uma semelhançazinha
Entre proféticos versos
E esse triste dia a dia
De um ano tão surreal
(Sentiu-se só, no Vaticano
Confessaria pra ela)
Mas mudando logo a prosa
E todo cheio de encantamento
O papa riria à toa
E diria pra mamãe:
“Sua cabeça é muito boa!
Lembra coisas quando a gente
Tinha apenas dez aninhos
Você aqui, no Ceará,
Sendo muito mais cristã
Do que eu em Buenos Aires,
Que só pensava em bola
E não perdia um só jogo
Do time do San Lorenzo”.
Mamãe acharia graça,
(Não sabia essa passagem
Da biografia papal)
E falaria: “Com licença,
Mas tenho que lhe dizer
Que é a sua simpatia
Que hoje faz a diferença
No mundo que a gente vive.
E tudo tem sua hora,
Tudo tem sua vez
E foi no momento certo
Que o senhor foi nomeado
Pois o Bento Dezesseis
– Oh homem da cara dura –
E, sei lá, despreparado,
Ou com pouca paciência
Pra lidar com esse mundo
Que anda tão dequedente
E requer umas diligências
Das muito bem aprumadas...”
Bastaria uns três minutos
Pra Francisco aprender
Umas duzentas palavras
Com a prosa de mamãe
E com toda sua fé
Dona Mazé levaria
Ao papa tranquilidade
Como se, numa só pessoa,
Francisco, então, descobrisse,
Toda a fé da humanidade.
Inda tem uma coisinha
Que mamãe não esqueceria
Perguntaria a Francisco
Se ela não estaria certa
Em dizer que o coisa ruim
Que ora ocupa a presidência
E que bate continência
Pra bandeira americana
(Oh sem-vergonha!)
Trouxe tanto azar pro povo
Que até uma pandemia
Se espalhou no mundo todo!
O papa, então, sorriria
Sem esticar o assunto
E quando dissesse, afinal,
Já é hora de voltar,
Pois deixei em minha mesa
Uma ruma de problemas
Para conversar com Deus,
Mamãe diz pra ele ficar
Ao menos, até o almoço
Pois já desligou as panelas
E já vai levar pra mesa
Um gostoso mugunzá
Acredito que Francisco
Depois de provar o prato
Vai pedir perdão a Cristo
Para passar mais um dia
No estado do Ceará
Na rua do Seminário
No centro de Juazeiro
Com mugunzá, reza e prosa
O papa vai relaxar
E na casa de mamãe
Será um simples romeiro
Que veio pra se arranchar...
Ilha de São Luís, 09/05/2020, 15h17min (com a ajudinha de Annes Lima Silva Souza).
Imagem de domínio público, disponível em www.pixabay.com.
sexta-feira, 8 de maio de 2020
Pausa para um rap: "O amor é minha droga"
Pausa para um rap, escrito anos atrás: "O amor é minha droga"
Viver é perigoso, já dizia o gênio Rosa
E os esquecidos
Pelo sistema
Têm que gastar
Muito mais prosa
Pra imaginar a vida um happyend de cinema
Não é fácil, eu te garanto, mano,
O capitalismo, sempre pegando em nosso pé
Se o nego é fraco, viver é um desengano
Se não tem amor, quem é que quer viver?
Mas não pense que aqui na periferia
Não nascem flores, não cresce gente decente,
Porque aqui, sim, existe muita poesia
Mesmo em meio a um Estado prepotente.
Por isso eu vou viver, eu decidi,
Não vou me drogar, não vou desistir,
Não vou fugir, não vou me iludir,
Vou viver a vida com o amor que eu sempre quis.
Uma menina me ensinou que o amor
É minha droga, é minha prova de fogo
É minha chance de virar o jogo,
E vai me acompanhar aonde quer que eu vá.
Eu vou viver, vou valorizar
Cada segundo da minha existência
Mesmo sabendo que às vezes falta pão,
Falta dinheiro, mas não falta a persistência
De ir à luta, de ir contra o sistema,
De se unir aos manos por uma nova vida
Em que o amor não seja um dilema,
Mas a inspiração da terra prometida.
Por isso eu vou viver, eu decidi,
Não vou me drogar, não vou desistir,
Não vou fugir, não vou me iludir,
Vou viver a vida com o amor que eu sempre quis.
Uma menina me ensinou que o amor
É minha droga, é minha prova de fogo
É minha chance de virar o jogo,
E vai me acompanhar aonde quer que eu vá.
E vai me acompanhar aonde quer que eu vá.
E vai me acompanhar aonde quer que eu vá.
Imagem de domínio público, disponível em www.pixabay.com.
quarta-feira, 6 de maio de 2020
A peleja de Xing, de Xang e da Super-Mãe contra o Capitão Maligno
Capitão Maligno apontava sua pistola viral para Xang quando Xing lhe deu um caratê. O Capitão gemeu e fez cara de dor, mas não deixou a pistola cair.
Voltou a apontar a pistola, ora para Xing, ora para Xang, e, com sua risada tenebrosa:
– Huá huá huá!! Depois que atirar esse vírus em vocês, ninguém mais vai me vencer (gargalhada macabra).
Mas, antes que disparasse o terrível raio de vírus, a Super-Mãe apareceu entre o Capitão Maligno e os heróis Xing e Xang.
– Esqueceu de mim, Capitão Maligno!
– Super-Mãe!! Não contava com a sua coragem – e agora o Capitão Maligno apontava para a Super-Mãe sua diabólica pistola viral.
– Não atile na Super-Mãe, seu malvadão! A Super-Mãe é boazinha! – disse Xang, com muita raiva.
Mas... Zui-zui-zui-zui... A pistola viral lançou uma rajada de covid19 sobre a heroína...
– Oh... Tarde demais... – disse a Super-Mãe, antes de cair.
Enfurecido, Xang avançou no Capitão Maligno e segurou uma das suas pernas:
– Seu disglaçado!!
O Capitão respondeu cinicamente com sua gargalhada macabra.
– Vou tentar tirar a pistola dele! – Xing correu em direção ao vilão e tentou alcançar a pistola.
– Vocês não me vencerão, seus pirralhos! (gargalhada macabra). Infectarei o mundo todo, só eu não pegarei a doença, porque eu tenho o antivírus! (gargalhada macabra).
Xing soltou o braço do Maligno, pôs as mãos na cintura e tentou argumentar:
– Mas aí todos vão morrer e você vai ficar sozinho no mundo! Você já pensou nisso?
Capitão Maligno ficou estático, com Xang agarrado na sua perna. Parecia refletir sobre os argumentos de Xing, mas...
– É verdade. Ficarei sozinho, mas não tô nem aí, sabe por quê? Porque eu sou mau, muito mau!! (gargalhada macabra).
Essa atitude desdenhosa enfureceu Xing, que partiu com tudo em direção ao Capitão. Visava a mão do vilão. Tentando tirar sua pistola, conseguiu derrubar a arma no chão. A pistola rolou para trás do Maligno.
– Minha arma! Não posso ficar sem ela! – esbravejou.
Ao tentar se virar para procurar a pistola, com Xang segurando fortemente numa das suas pernas, o vilão perdeu o equilíbrio e caiu sobre a própria arma.
– Vai molê! O raio entlô pela bunda!! – Xang desmanchava-se em sorrisos.
– Espera! – disse Xing, observando, paciente, se Capitão Maligno esboçaria alguma reação. Mas, ele só gemeu um pouco, depois expirou, com a língua para fora.
– Vencemos!
Xing e Xang começaram a dançar abraçados.
– Espela – disse Xang. A nossa mã... A Super-Mãe moleu também. E agola?
Repentinamente, a Super-Mãe reagiu e falou, com a voz sôfrega, cheia de pausas:
– Xing e Xang, vocês salvaram a humanidade, vocês derrotaram o Capitão Maligno.
– Mas você vai molê!! – gritou Xang, como se a vitória tivesse sido em vão.
– Não, não vou morrer. Fiquem aqui vigiando o Capitão. Volto já.
E a Super-Mãe saiu, andando com dificuldade, foi até a cozinha e voltou com uma garrafa e quatro copos.
– O que é isso? – perguntou Xing.
– Isso é um líquido que mata o vírus – explicou a Super-Mãe. Foi criado por cientistas que estavam fugindo do Capitão Maligno. Eles pediram que eu guardasse.
– Palece água – disse Xang.
– Não, não é água – disse a heroína, com a voz quase sumindo. É como se fosse uma vacina, só que para beber. Eu vou beber, está bem?
– Tá – disse Xing, balançando a cabeça afirmativamente.
– Bebe logo! – disse Xang.
A Super-Mãe colocou um pouco do líquido num dos copos e bebeu. De repente, duma postura curvada, até então, seu corpo ficou imediatamente ereto. A voz, antes silabada, agora corria normal:
– Estou curada! – gritou a heroína, enquanto dançava em círculos com Xing e Xang.
– Tomem também, vocês podem ter sido atingidos pelo raio e não terem percebido.
E colocou um copo para cada um dos heróis.
– Tem gosto de água – ainda disse Xang.
– Não é água, é vacina – corrigiu Xing, antes de tomar um gole. Antivírus – completou.
– Muito bem, estamos curados. Mas, atenção, Xing e Xang, não podemos nos descuidar. O que continuar fazendo, daqui pra frente?
Xing e Xang entreolharam-se.
– Continuar lavando as mãos com água e sabão, álcool, álcool em gel... – explicou Xing.
– Máscalas! – gritou Xang, que já tinha observado que a Super-Mãe segurava quatro máscaras de cores diferentes.
– E... – a Super-Mãe esperava algo mais...
– Ficar em casa! – completou Xing.
A Super-Mãe aplaudiu.
– E o Capitão Maligno? Vamos salvar ele também?
– Não, que ele é mau! – antecipou-se Xang, com fúria nos olhos.
– E se ele prometer que vai ficar bom? – questionou a Super-Mãe.
Nesse exato momento, o Capitão gemeu e, com dificuldade, falou:
– Me ajudem, por favor... Eu prometo ficar bom... Se me salvarem, só farei o bem daqui pra frente...
Coincidentemente, o Capitão Maligno falou as exatas palavras que a Super-Mãe queria ouvir.
– Vamos salvá-lo! – gritou a heroína.
Mas, enquanto a Super-Mãe colocava no copo o líquido salvador, Xing gritou:
– Espera!
Aproximou-se do vilão e afirmou, com autoridade:
– Você vai ter que assinar um documento, lá na ONU, dizendo que não vai mais fazer mal pra ninguém!
– O quê? – perguntou o Capitão Maligno, atarantado.
A Super-Mãe sorriu, e reforçou a condição:
– Isso mesmo, seu malvado! Nós não somos besta! Vai ter que assinar um documento dizendo que de hoje em diante vai ser um cara muito legal! Ouviu?
– Lá na ONU! – lembrava Xing.
– Isso! – completou a Super-Mãe. Lá na ONU.
Segurando um sorriso, o Maligno implorou:
– Assino, mas, por favor, salvem minha vida!
Ele, então, bebeu o líquido oferecido pela heroína. Alguns segundos depois, sentou e sorriu.
– Conseguimos – gritou a Super-Mãe, juntando os quatro num grande abraço.
Quando o Capitão levantou-se, Xing explodiu numa gargalhada, apontando para o traseiro do ex-vilão:
– A banana tá toda esmagada na bunda do senhor! Eca!
Xang rolou no chão, sorrindo.
Antônio, também sorrindo, começou a se desfazer da fantasia de vilão: retirou a peruca, de tantos e tantos carnavais, retirou o terno, usado pela última vez quando fora receber o diploma da graduação em Ciências Contábeis e abraçou Margarida, agora já sem a fantasia de Super-Mãe.
– Terminada nossa aventura, agora é o quê? Operação Banho! Xing e Xang, pro banheiro.
Simon (Xang) e Simone (Xing) dispararam, disputando quem chegaria primeiro. Margarida acompanhou os filhos.
Antônio livrou-se da calça e aproximou-se da janela. Exausto, olhou pelas persianas a rua lá fora. Abriu a janela e ouviu um enorme silêncio.
Observava o vazio quando viu um esmoler do outro lado da rua. O homem mexia em latas e sacolas.
De repente, Antônio se sentiu culpado por viver feliz. Fechou a janela e voltou a ouvir a fanfarra dos filhos, no banheiro.
Era o segundo dia de lockdown na cidade de São Luís do Maranhão.
São Luís, 06/05/2020, 17h27min.
Imagem de domínio público, disponível em www.pixabay.com.
terça-feira, 5 de maio de 2020
SOS Brasil
Uma singela homenagem a Aldir Blanc...
Aldir,
Eu hoje me embriagando,
De whisky com guaraná,
Ouvi tua voz murmurando:
Mesmo que eu mande, em garrafas,
Mensagens por todo o mar,
Meu coração tropical
Partirá esse gelo e irá
Com as garrafas de náufragos e as rosas,
Partindo o ar.
E, sabendo que
A esperança dança
Na corda bamba de sombrinha
E em cada passo dessa linha pode se machucar,
Devemos gritar:
Do Brasil, SOS ao Brasil!
Do Brasil, SOS ao Brasil!
Do Brasil, SOS ao Brasil!
(Lembrar & repetir
Nunca é demais:
Glória
A todas as lutas inglórias
Que através da nossa história
Não esquecemos jamais...)
segunda-feira, 4 de maio de 2020
guenzos
(Burburinho. A professora pediu silêncio.
Sorrisos. Distrações. Como iriam aprender História daquele jeito? Como seriam capazes de compreender o passado? O que estava acontecendo?
– A mãe dele chamou ele de guenzo.
– A mãe de quem chamou quem de guenzo?
– A mãe do Lucas.
– O que foi que a mãe do Lucas fez?
– Chamou de guenzo, o próprio filho dela.
– Foi não, professora!
– Foi sim! A mãe dele tá quebrando coco de novo…
E a professora, zangada:
– Eu não quero saber quem é guenzo, quem não é, não quero saber se a mãe de fulano ou beltrano voltou a quebrar coco, só quero dar minha aula, ok? Então, vamos continuar de onde paramos. Abram o livro no capítulo sobre a escravidão no Brasil!)
Ontem à noite, Lucas e Gabriela lembravam desse dia, sorrindo e proseando na calçada da ruazinha solitária do povoado, ouvindo a cantiga dos sapos, debaixo duma enorme lua amarela (entocados, distantes do mundão lá fora, em caótica pandemia.)
Imagem de domínio público, disponível em www.pixabay.com.
domingo, 3 de maio de 2020
guerras
Sou descendente das guerras palmarinas.
Dia desses, disse ter ascendência real e uns moleques sorriram. Uns moleques.
Dentro de mim, sinto-me como um rei.
Mas a sociedade me declara guerra diariamente.
Estou sempre esperando tapetes serem puxados ou os sapos que querem me empurrar goela-a-baixo.
Vejo-me numa floresta, na África, livre, talvez até como um bicho, sim, um macaco, quem sabe, não é assim que querem que sejamos, poderia ainda viver na floresta e viver bem melhor, pelo menos não seria abduzido pela ilusão dessa minguada aposentadoria.
– O senhor é inteligente, seu Alfredo. O senhor não precisava ter puxado a faca pra um policial.
Ele me chamou de macaco.
– Agora é arcar com as consequências. Mas o senhor aproveite esses dias, vá pensando sobre a vida e comece a escrever um livro. Bom, vou ter que fechar a cela.
Já fecha tarde.
Imagem de domínio público, disponível em www.pixabay.com.
sábado, 2 de maio de 2020
Que fim levaram todas as flores?
Estava bêbado quando chegou, olhou para o caixão e foi logo chorando.
– Esse homi num merecia morrer… Esse homi era homi com letra graúda. Era um pai de famia honrado. Só era preto, mas pense num homi honesto, sério… Se a fiarada num saiu que nem ele, só Jesus pra ispricar esse desacontecido. Já tinha perdido a muié, outra santa, ficaram só os condenado dos fi dando trabaio…
Alguém se levantou, segurou no braço do bêbado e saiu arrastando-o.
– Oxi, qué isso? A gente num pode nem menagear um amigo não, é?
Outro alguém foi até lá e pediu para o primeiro alguém soltar o bêbado: deixa ele (como se adivinhasse que haveria um tempo de velórios vazios em que até dos bêbados sentiríamos saudades...)
Solto, o bêbado levou a mão ao bolso da calça e disse, serenamente:
– Esfria aí…
Do bolso, tirou uma flor machucada.
– Como num sei que fim levaram as flor desse velório, eu truxe essaqui pro meu amigo.
E o bêbado foi lá e colocou a murcha flor sobre o humilde caixão de madeira.
Imagem de domínio público, disponível em www.pixabay.com.
sexta-feira, 1 de maio de 2020
Assinar:
Postagens (Atom)