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segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

O valor pedagógico do blog

O blog é um tipo de página virtual de fácil criação e uso cada vez mais comum, além de constituir um território democrático que propicia a reflexão e o diálogo. Por ser uma página que tem a identidade de um sujeito que escreve e compartilha suas vivências (posts), em interação imediata com os leitores (coments), o blog possibilita a construção de uma ágora virtual, que se efetiva no binômio: experiência democrática/criação de saberes.

O valor da narrativa pessoal, como exteriorização de uma história particular e clamor de solidariedade por outras narrativas comuns, representa uma excelente oportunidade para a construção do conhecimento. Essa fraternidade no aprender recíproco constitui uma experiência enriquecida pela franqueza dos sujeitos, pelo olhar constante para a interlocução que os motivam e pelo domínio progressivo das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) de que se fazem senhores e cúmplices, pois como afirma Prado (2005, p. 55), “o envolvimento do aluno no processo de aprendizagem é fundamental. Para isso, a escola deve propiciar ao aluno encontrar sentido e funcionalidade naquilo que constitui o foco dos estudos em cada situação da sala de aula”.

Tal perspectiva apóia-se na proposta construcionista de Seymour Papert, que valoriza o processo de aprender. Como Piaget, Papert acredita que “o conhecimento é ativamente construído pela criança em interação com seu mundo” (Ackermann, s/d). Assim, Papert “enfatiza a importância das ferramentas, mídias e do contexto no desenvolvimento humano” (idem).

Toda a comunidade escolar pode se tornar sujeito desse projeto, com a mediação do educador na multiplicação de blogs e a solidariedade de sua experiência no trabalho de construção de narrativas hipertextuais.

O blog constitui um instrumento de forte potencialidade pedagógica, requerendo, para tanto, redefinir a práxis em bases éticas, democráticas e colaborativas e por meio da escritura permanente das narrativas das experiências de educandos e educadores. A cultura do blog deve, assim, ser disseminada na escola, como um exercício coletivo da comunidade escolar.

A atividade coletiva representa um esforço essencial para dar significação à escola e, para isso, nada melhor que o trabalho de e sobre a escrita, fazendo das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) um suporte fundamental para o sucesso do processo de apreensão de saberes e de intervenção crítica no mundo.

REFERÊNCIAS:

ACKERMANN, Edith. Piaget’s Constructivism, Papert’s Constructionism: What’s the difference? Disponível em:
http://learning.media.mit.edu/content/publications/EA.Piaget%20_%20Papert.pdf.
Acesso em: 10 out, 2009.
PRADO, Maria Elisabete Brisola Brito. Articulação entre áreas de conhecimento e tecnologias. Articulando saberes e transformando a prática. In: ALMEIDA, Maria Elizabeth Bianconcini de, MORAN, José Manuel (org.). A Integração das tecnologias na educação. Brasília: Ministério da Educação, SEED, 2005.

terça-feira, 17 de março de 2009

Reflexões sobre o processo de ensino e aprendizagem II

O processo de ensino e aprendizagem tem sido uma preocupação constante em minha vida profissional. Algumas vezes, motivo de satisfação; outras, de angústia. Adoto a concepção de que a educação deve servir para a humanização. Observo uma ansiosa proliferação de métodos, técnicas e “atalhos” pedagógicos voltados tão-somente para a integração do educando ao mercado de trabalho e ao imediato: e é nesse ponto que, em nome de um suposto sucesso educacional, o educando é obrigado a, em alguns aspectos, desumanizar-se.
Não acho que necessariamente o educando tenha que “integrar-se”, ele pode, sem problemas, ser um outsider. O que não se pode é negligenciar a oferta de um ensino comprometido com os conteúdos universalmente essenciais, possibilitando uma intervenção no mundo (que se traduz no importante, porém tão deturpado princípio do exercício da cidadania). Acredito também que essa intervenção pode e deve se dar como aprendizagem significativa, motivando o estudo e tornando socialmente relevante o ato de aprender.
Os objetivos de ensino, conteúdos, métodos e recursos didáticos, bem como o processo de avaliação, têm ligação direta com a concepção pedagógica. Assim, numa perspectiva humanista, os conteúdos devem ser aqueles indispensáveis à afirmação da cidadania, os métodos e os recursos devem primar por uma dinâmica em que professor e aluno interajam com os mínimos ruídos, tendo como base um canal psicológico eficaz e empatia mútua. O processo de avaliação, por sua vez, tem que considerar as condições concretas de estudo do educando, seus avanços e recuos, como ele expressa o que aprendeu, suas limitações e como superá-las.
Em geral, a minha interação com os alunos tem sido muito boa, o que me deixa contente, claro. Mas, por outro lado, uma questão me preocupa bastante: é o fato de que sei que existem alunos que precisam de mais atenção que outros e de métodos e recursos específicos – e nem sempre consigo me dedicar a eles como deveria: um dos principais obstáculos é o número elevado de alunos por sala.
Felizmente, apesar de não ser fácil a vida de professor em um país que não investe em educação o que deveria investir e que não paga salários dignos aos profissionais da educação – apesar disso, ainda não fui atingido pelo burnout (espero não sê-lo jamais) e continua íntegro meu otimismo: elemento indispensável para quem acredita que por meio do trabalho docente é possível tornar menos sórdida a realidade.

sábado, 14 de março de 2009

Reflexões sobre o processo de ensino e aprendizagem I

O processo de ensino-aprendizagem precisa ser compreendido como o que de fato é: processo. Logo, em sua gênese, a palavra que o define aponta para sua essência: inacabamento, dialeticidade, contradição.
É feito de interação: algo está se processando, não somente entre educad@res e educand@s, o espaço educacional envolve outr@s agentes, como @s entes familiares, profissionais da escola e pessoas da comunidade. Mas, sem dúvida, a principal relação é entre educad@r e educand@.
Como todo processo, toda relação também é determinada pela ação recíproca d@s que a constituem: eu aprendo contigo, tu aprendes comigo. Está implícita aí a idéia de que nós, educad@res, aprendemos com noss@s alun@s, sim, isto é verdade, mas não podemos esquecer que, neste processo, ocupamos uma posição de maior responsabilidade, responsabilidade que vai além dos conteúdos que acreditamos essenciais ao conhecimento e dos procedimentos para garantir a aprendizagem: tem a ver com o lugar concreto que ocupamos no universo e com a dimensão política da existência.
Hoje, essa responsabilidade herda contribuições científicas que permitem superar o caráter meramente instrucional do ensino: o processo não é baseado num infalível retroalimentador-de-informações nas mãos de um demiurgo, pois estão em jogo tanto a subjetividade do educad@r como a do educand@, daí ser essencial conhecer a psicologia do processo. Relação afetiva: estar atento aos estados de espírito, às emoções, a silêncios, rancores, resistências...
Cada dia que passa, me sinto mais e mais preocupado com as questões didáticas: como fazer para tornar mais eficaz o processo, e eu possa diminuir a angústia (minha) de não ter atingido as metas traçadas e observar um sentimento de incapacidade por parte d@s alun@s; que possa agir de maneira colaborativa – sem esquecer que conheço o processo melhor que el@s, pois fui/estou sendo especialmente preparado para isso – e despertá-l@s para conhecimentos fundamentais aos @s cidadãs/cidadãos deste início de século, e, ao mesmo tempo, possibilitar reflexões-ações que contribuam para “aliviar a canseira da existência humana”, como diz Galileu na peça de Brecht.
Que mais dizer? Como epígrafe, uma contribuição do meu companheiro do Mídias na Educação, Hélio Helder: “que essa angústia/inquietação sirva para dar vontade de continuar lutando para a melhoria da sociedade”.


P.S.: Utilizei a arroba (@) neste texto para expressar a igualdade de gêneros, evitando a predominância do masculino na língua.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

O rapaz que lia romances

Era um rapaz que lia romances. Lia-os a tarde inteira. Lia-os com prazer – seus olhos ausentes de nós estão a nos dizer isto.
Nunca foi tão difícil ler romances. Este rapaz sabe disto. Seus colegas de escola não o entendem quando o veem segurando uma obra de 686 páginas como este Dom Quixote de La Mancha que tenho ao meu lado neste exato instante. Não precisa ser obra tão volumosa. Outro dia estava ele a ler A Cidade e as Serras, são apenas 139 páginas, mas eis os seus colegas a perguntarem porque o rapaz lia aquilo. Seria para o vestibular? Fosse este o caso, existem resumos aos montes, bem como versões condensadas de milhares de livros, disseram os colegas.
Ah, como a vida tornou-se burocrática... Este rapaz quer apenas ler seus romances, sem subordinar isto a finalidades utilitárias ou produtivas. Ele não lê para dissecar o romance em análises ou para prestar concursos. Lê porque gosta.
Seus pais também não o entendem. Sua mãe reclama-se, pois o rapaz passa horas e horas lendo, quando podia estar procurando emprego. O pai também o censura por ler tanto: podia ficar doido ou com problemas de vista.
Também lia quando pegava o ônibus. E naquele dia isto chamou a atenção da moça sentada ao seu lado. Ela perguntou ao rapaz que livro ele estava lendo.
- Martin Eden.
- Ah...
- Conhece?
- Não.
Silêncio. Ele:
- Gostas de ler?
- Gosto.
- Que tipo de livro?
- Autoajuda.
- Ah...
Era uma bonita moça, mas não lia da mesma maneira que lia o rapaz. Mas, otimista, como era, o rapaz sabia que existiam leitores como ele, que adoravam romances, que os liam na alegre expectativa de revelações incomuns, ou na completa ausência de expectativas, movidos tão-somente pelo prazer do ato de ler em si.
Mas, acabamos de saber que há agora uma leitora que está ocupando parte do tempo e da atenção do nosso leitor: passam horas e horas conversando sobre romances e autores. O leitor também a conheceu no ônibus. Os pais de ambos preocupam-se, pois leitor e leitora dialogam em tal sintonia que as pessoas próximas parecem fantasmas amistosos. E lá se vão a pronunciar nomes de pessoas as quais os pais não conhecem: falam de Carlos Bovary, Riobaldo, Blimunda, Sete-Sóis e tantos e tantos... Os pais não se recordam de nomes como aqueles: não são familiares, nem parentes, nem vizinhos ou meros conhecidos, nem personagens de novelas ou seriados da TV.
O rapaz acredita ter encontrado a mulher de sua vida. Sua mãe quer saber porque o jovem leitor de romances acredita tão piamente nisto. E ele não sabe como explicar à mãe.
Não sabemos se conversarão sobre romances por muito tempo ainda, se formarão um casal, se viverão felizes: é difícil fazer previsões tão pessoais num mundo neurótico, perturbado e injusto como este.
Resta-nos, então, compartilhar com o leitor o segredo que ele não compartilhou com a mãe – e que esta com certeza não entenderia: a convicção de que a leitora é a moça dos seus sonhos: basta olhar o quão absorvida estava na leitura de Se um Viajante numa Noite de Inverno e como, com os braços fechados sobre o livro, carrega-o junto ao peito, ao descer do ônibus... Foi amor à primeira vista, coisa que, como bem sabemos, não existe só nos romances românticos do século XIX. Acontece o tempo todo – e na dura vida real – e esta crônica, que não foi inventada, é a prova do que estamos falando.

Publicado também em Palavrativa:
http://palavrativa.blogspot.com