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terça-feira, 31 de março de 2020

Bentinho


Cláudia e Márcio estavam na lanchonete. 
Tomavam sorvete. 
Olhavam um para o outro e sorriam. Quem os visse naquele momento, diria se tratar de um "casal de pombinhos". 
Cláudia baixou os olhos e cuidou do seu sorvete. Márcio também cuidava do seu sorvete, mas desleixadamente.   
O sorvete derretia. Continuava olhando para a moça, que ainda mantinha os olhos baixos, voltados para o sorvete, que também começava a derreter. De repente, o rapaz perguntou: “Tá pensando em quê?” “O quê?”, perguntou Cláudia, surpresa.  
“Tá pensando em quê? Ou em quem?”, insistiu Márcio. 
“Como assim?”, perguntou a moça, já com a voz alterada, demonstrando irritação.  “É que tu parou de sorrir de repente e pareceu tá pensando em alguém distante", respondeu Márcio, muito sério. 
“Que mente poluída! Eu não pensava em ninguém, encabulado, apenas saboreava meu sorvete. Agora até os meus pensamentos eu tenho que dizer, é?"
“Tem. Qual o problema a namorada contar os pensamentos pro namorado?” “O problema é que isso é uma tremenda falta de confiança. Deixa de ser inseguro, Bentinho”, de propósito, a moça o chamou­ pelo nome do protagonista do romance "Dom Casmurro", que vivia desconfiando da esposa Capitu. 
“Bentinho? Me chamou de Bentinho! Quem é esse Bentinho? Tá pensando nele, é?"
“Ai meu Jesus, protegei meus pobres ouvidos!” 
“Quem é esse Bentinho, Cláudia?” 
“Bentinho é tu e todos os idiotas que não confiam em suas namoradas.” 
“Nem vem com esse papo todo intelectuário! Pensando que sou otário, é?” 
“Sinto muito. Desisto.” Cláudia se levantou­ e empurrou a cadeira.
As poucas pessoas que estavam na lanchonete olharam para o jovem casal; não pareciam mais os pombinhos de alguns minutos atrás.   
Márcio se aproximou de Cláudia e segurou o seu braço. 
­“Desculpa, Cláudia”, falou baixinho, para não chamar ainda mais a atenção das pessoas. 
“De novo? Desculpar de novo, Márcio?”, perguntou ela, olhando para o chão. 
“Se o problema é meu ciúme, eu prometo mudar", disse Márcio, educadamente. 
Cláudia puxou o braço, que até então Márcio fazia questão de segurar.  
“Ciúme? … Esse problema agora é o de menos.” 
“E qual é o problema maior?”
“Ignorância. Não essa ignorância de apertar meu braço, me fazer medo... Não... Ignorância de não saber das coisas. Quando você descobrir quem é Bentinho, me liga, tá? Mas não pense que é pra gente voltar. É que eu quero tanto tanto ouvir você dizendo: 'Desculpa, Cláudia, agora que eu sei quem é Bentinho, eu vi que dei uma de abestado'."
“De novo, esse Bentinho?”, explodiu Márcio, descontrolado, derrubando uma cadeira. 
Cláudia, no entanto, riu – e, se dirigindo às seis pessoas que estavam na lanchonete: "Gente, desculpem o meu na­-..., digo, meu ex-namorado; ele está irritado assim porque nunca leu Machado de Assis e nunca conheceu Dom Casmurro, tá?" 
As pessoas olhavam para a cara de bobo raivoso de Márcio e escondiam sorrisos amarelos, não sabiam o que dizer, nem se podiam intervir. Cláudia foi embora e não quis mais saber de Márcio. Já faz mais de um mês que isso aconteceu. 
Pois vocês acreditam que ainda ontem vieram me contar que Márcio ainda investiga quem é “esse tal de Bentinho”?

Imagem: domínio público - StockSnap - pixabay.com.

"Fique em casa que eu te dou um conto"



A partir de hoje, vou disponibilizar aos leitores contos publicados em alguns dos meus livros, num total de 40.
Dei a essa ideia o nome “Fique em casa que eu te dou um conto”.
Os contos ficarão disponíveis aqui no blog.
Os primeiros contos a serem publicados foram extraídos do livro “Mármore & outros exercícios literários” (2017).
Portanto, fique em casa, visite o blog, leia e comente.  

sexta-feira, 6 de março de 2020

Eu queria ser mulher, mas me faltam os culhões


Eu queria ser mulher,
Mas me faltam os culhões
Para encarar os medos,
Enfrentar desilusões
E lidar com uns mal-amados
Que se supõem uns fodões.

São as pestes duns babacas
Que existem em todo lugar.
Praticam o desrespeito
E gostam só de mandar.
Não sabem eles que o amor
Não rima com maltratar?

São covardes e egoístas.
Só enxergam o próprio umbigo.
Não entendem que a beleza
De ser amante ou amigo
É sorrir pras coisas boas
Que as pessoas trazem consigo.

Em 2019,
Com tristeza, constatamos
Que aumentou o feminicídio.
São vidas que lamentamos.
1314
Mulheres por quem choramos.

Números só do Brasil.
Mas ocorre em todo o mundo
Essa violência banal,
Esse desprezo imundo.
Às meninas, às mulheres,
Nosso lamento profundo.

Mas não basta lamentar,
Tem que unir o feminino.
Dá uma tristeza, uma raiva,
Mulher assumindo o “destino”
De tolerar o machista
Patife, podre, assassino.

Então, se una, mulher,
À sua amiga, sua vizinha.
Não deixe outra igual
Ter que enfrentar sozinha
Um pseudomacho escroto
E sua “insegurançazinha”.

A nós, homens, cabe uma coisa
Extremamente importante:
Que é se juntar às mulheres
Nessa batalha gigante.
Gritar que, oposto ao machismo,
O amor será triunfante.

Acredito nessa luta,
E na educação do sentir.
Nem violências, nem mentiras
Conseguirão destruir
O afeto coletivo
De um mundo novo a surgir.