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quinta-feira, 17 de setembro de 2020

17 haicais



17 haicais


I

Alienamo-nos:

não entendemos a vida,

mal vivemos o amor.


II

Camaradas meus

bolando pelo mundo:

não os esqueci.


III

Com os pés no chão

e a cabeça nas nuvens,

sobreviveremos.


IV

Desafio-me a

ser racional todo dia

e ter sensatez.


V

Dias amanhecendo

na penumbra fascista:

nós resistiremos.


VI

É preciso o Natal

para nos deixar assim

tão sentimentais?


VII

Estar dequedente

apressa-me os planos de

um dia ser gente.


VIII

Faço parte de

um milhão de almas ilhadas

mirando o além-mar.


IX

Há dias, como hoje,

em que a ternura vence 

toda violência.


X

Muito indiferentes

aos solstícios da vida,

lá se vão dois pés.


XI

Eu, melancólico?

pois deixe-me assim: haicais

fermentam em mim.


XII

Minha amada dorme.

Eu a olho em silêncio.

Tenho muita sorte.


XIII

Minha amada é tudo,

ela é demais: rumanços,

memórias, haicais.


XIV

Na longa noite 

tanto amor nos deixa tontos:

lúcida manhã.


XV

O ópio do povo, 

por toda parte, ocultando 

simples verdades. 


XVI 

Seres urbanos, 

coletivamente sós, 

aos solavancos. 


XVII 

São tempos incertos:

pois das nossas diligências 

cuidemos de perto. 



São Luís, 17 de Setembro de 2020, Dia do Negro Cosme. 


sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Poesia-minuto



De quanto se precisa
Pra um minuto de poesia?
De um dedo de prosa?
De duas bocas com fome?
De mil & um solitários que esperam o fim da pandemia?
De multidões abraçadas escorraçando fascistas?
Um minuto parece pouco
Pro desmantelo do mundo
Mas o minuto pode conter
Rios, mares, oceanos
da dialética da lágrima
Quando vai do olho ao chão
Ou o sol desse mesmo olhar e a coragem de não se pôr quando o dia se abrevia e a noite inda não vem
Um minuto de poesia
São praias
Ágoras
Praças, carnavais
Estradas
Pasárgadas
Livros
de areia
Crianças fazendo
criancices
(Mas também poetas suicidados cujas vozes não se calam tanto tempo depois)
Uma poesia-minuto são as janelas do coração
Abertas
Aos passarinhos canoros das gargantas aflitas
E a saliva seca de paixões e esperanças
Um minuto de poesia são dançarinos
& dançarinas diáfanas pelos céus dos tempos sertões constelações supernovas
Relvado de pessoas se amando e a classe trabalhadora comemorando
O tempo livre
Com a leitura de livros
& livros
& livros
Antologias poéticas de pelessinapses
Desejos & aventuranças de corpos & memórias na querença de completude
Um minuto de poesia
É só o sol
Da incompletude




São Luís, 07/08/2020 

quarta-feira, 8 de julho de 2020

NOTA DE REPÚDIO CONTRA O MACHISMO NO CORDEL



NOTA DE REPÚDIO CONTRA O MACHISMO NO CORDEL

Os Coletivos Literários que assinam esta nota manifestam o seu repúdio em decorrência dos ataques realizados nas redes sociais contra a cordelista sergipana Izabel Nascimento.
A poeta que atua há mais de 30 anos no cordel brasileiro e protagoniza uma cena importante em representação à escrita feminina neste gênero literário, está sendo atacada nas redes sociais, desde o último sábado, dia 27 de junho, quando em palestra no III Encontro Paraibano de Cordelistas denunciou os traços do machismo que também ocorre no universo da Literatura de Cordel.
As ofensivas estão ocorrendo nas redes sociais de poetas cordelistas, em publicação no Facebook, em grupos de WhatsApp, e reverberando em espaços virtuais onde alguns poetas cordelistas de Sergipe também atuam numa investida que argui a atuação de Izabel Nascimento no cordel sergipano enquanto presidente da Academia Sergipana de Cordel (ASC).
Para nós, o protagonismo da mulher como objetivo principal das ações que Izabel Nascimento promove causa forte insatisfação em um grupo de poetas cordelistas que não compreende a importância da igualdade de gênero que as mulheres reivindicam, não tolera os rumos de fortalecimento que o cordel feminino está construindo com participação ativa de Izabel e busca detê-la, afim de manter a visibilidade poética restrita ao espaço masculino privilegiado ao qual pertencem.
O Brasil é o 5º país no ranking mundial de violência contra mulheres. Quando a voz de uma mulher denuncia o machismo, não o faz de maneira isolada. É por este motivo que assinamos a presente nota que vem repudiar ações apontadas contra a Cordelista sergipana Izabel Nascimento, a quem afirmamos apoio irrestrito e nos somamos à sua caminhada nas lutas do universo literário em prol da atuação feminina
Registramos através desta nota que estamos atentas às expressões e atitudes desta natureza e que não toleraremos em nenhuma hipótese tais práticas. Somos contra o machismo e todas as formas de opressão! #cordelsemmachismo
Assinam esta nota:
ABarca Cultural - Campina Grande (PB)
Academia de Letras de Aracaju (SE)
Academia Gloriense de Letras-AGL - Nossa Senhora da Glória (SE)
Academia Sergipana de Cordel - ASC (SE)
Acervo Altino Alagoano de Mulheres Cordelistas - Casa das Trovadoras - Lisboa-Portugal
Articulação Semiárido - ASA (SE)
Associação Rendeiras da Vila (PB) 
Bloco Marx, Que Delícia - São Paulo (SP)
Café Poético Sergipano - Aracaju (SE)
Canal Estilo & Literatura - São Paulo (SP)
Caravana do Cordel Carioca - Rio de Janeiro (RJ)
Casa do Cordel Mulheres Cordelistas - Petrolina (PE)
Centro Dom José Brandão de Castro - CDJBC (SE)
Cia. Drómos de Teatro (SP)
Coletivo Cordel de Mulher - Fortaleza (CE)
Correio Cultural Paraíba (PB)
Correio Cultural Roraima (RR)
Correio Cultural Sergipe (SE)
Clube de Leitura Floriterárias - Recife (PE)
Clube de Leitura Kasa de Alice - Salvador (BA)
Clube de Leitura Leia Mulheres - Campina Grande (PB)
Clube do Cordel - São José do Egito (PE)
Coletivo Intempestivas - Belo Horizonte (MG)
Coletivo Ler Mulher - São Paulo (SP)
Cordel das Rosas (PB/RN)
Clube de Leitura Leia Mulheres - Itabaiana (SE)
Clube de Leitura Leia Mulheres - Nossa Senhora da Glória (SE)
Coletivo de Artistas Socialistas - CAS - São Paulo (SP)
Coletivo de Mulheres As Letradas - Umbaúba (SE)
Coletivo de Mulheres do Sindicato dos Engenheiros de Sergipe (SE)
Coletivos Poetas da Resistência - Poço Redondo (SE)
Editora A Casa Verde - Porto Alegre (RS)
Editora Areia Dourada - São Paulo (SP)
Editora e Cordelaria Castro - Petrolina (PE)
Editora Coqueiro - Recife (PE)
Editora Luzeiro - São Paulo (SP)
Estação do Cordel - Natal (RN)
Feira Literária de Campina Grande (FLIC) - Campina Grande (PB)
FLIBO - Festa Literária de Boqueirão (PB) 
FLIG - Festa Literária de Glória - Nossa Senhora da Glória (SE)
FLIMA - Mãe D’água (PB)
Flipocinhos - Festa Literária de Pocinhos(PB)
Fórum das Festas Literárias da Paraíba (PB)
Ganesha Produções - Fortaleza (CE)
Grupo Capoeira Luanda (PB)
Grupo Cultural Baque Virado da Borborema (PB)
Grupo de Teatro Raízes Nordestinas - Poço Redondo (SE)  
Grupo Mulheres Resistentes - Caicó (RN)
Grupo Vocal Vivace - Aracaju (SE)
Grupo de Estudos dos Brinquedos Culturais Populares - Campina Grande (PB)
GT Mulheres da Asa - Nacional
Iniciativa das Religiões Unidas - URI - Círculo de Cooperação Borborema Campina Grande (PB)
Livro Livre Curió (CE)
Movimento Literário Afrologia Tucuju – Macapá (AP)
Movimento Mulheres em Luta - Nacional (PB)
Movimento Vamos Juntas - Campina Grande (PB)
Mulherio das Letras Nacional - Natal (RN)
Mulherio das Letras (RS)  
Mulherio das Letras Zila Mamede - Natal (RN)
Museu Casa do Sertão da UEFS - Feira de Santana (BA)
MMM/CG - Marcha Mundial das Mulheres / Núcleo: Maria do Céu - Campina Grande (PB)
Organização Mulheres no Cárcere - Campina Grande (PB)
Pastoral dos Pescadores - Nacional 
Projeto Cidade Poema - Porto Alegre (RS)
Projeto Ser Tão Poeta - Petrolina (PE)
Projeto Trovadoras Itinerantes - Brasil-Europa
Revista Kuruma'tá - Rio de Janeiro (RJ)
Roda de Cordel - São Paulo (SP)
Rede Mnemosine de Mulheres Cordelistas, Cantadoras e Repentistas do Brasil e de Portugal - Fortaleza e Lisboa
Sarau das Minas (RS)
Sarau de Rua - Patos (PB)
Sarau do Coreto - Monte Alegre de Sergipe (SE) 
Sarau das Minas - Porto Alegre (RS)
Sebo Letra N'ativa – Currais Novos (RN)
Ser Tão Mulher - Patos (PB)
Sociedade de Apoio Sócio Ambientalista e Cultural - SASAC (SE)
Tupynanquim Editora - Fortaleza (CE)


Imagem disponível em: pixabay.com. 

sábado, 9 de maio de 2020

O dia em que o papa Francisco conheceu pessoalmente minha mãe, Dona Mazé




Se o papa conhecesse
Minha mãe, Dona Mazé, 
Não demorava nadinha
E ele voava pra cá 
Para conhecer de perto 
Vinha prosear com ela
Sentar na sala do santo 
Para debulhar lembranças, 
Causos, ensinamentos 
E anedotas, até 
O tempo seria pouco 
Mas também não é brincadeira 
São 168 anos 
Lado a lado, em palestra 
(São 84 dele, mais 84 dela) 
Mamãe lhe perguntaria 
Sobre certas profecias 
Do tempo dela menina 
E que hoje ela vê, 
Com tristeza, acontecendo 
Francisco perceberia 
Uma semelhançazinha 
Entre proféticos versos 
E esse triste dia a dia 
De um ano tão surreal 
(Sentiu-se só, no Vaticano 
Confessaria pra ela) 
Mas mudando logo a prosa 
E todo cheio de encantamento 
O papa riria à toa 
E diria pra mamãe:
“Sua cabeça é muito boa!
Lembra coisas quando a gente 
Tinha apenas dez aninhos 
Você aqui, no Ceará, 
Sendo muito mais cristã 
Do que eu em Buenos Aires, 
Que só pensava em bola 
E não perdia um só jogo 
Do time do San Lorenzo”. 
Mamãe acharia graça, 
(Não sabia essa passagem
Da biografia papal) 
E falaria: “Com licença, 
Mas tenho que lhe dizer
Que é a sua simpatia 
Que hoje faz a diferença 
No mundo que a gente vive.
E tudo tem sua hora, 
Tudo tem sua vez 
E foi no momento certo 
Que o senhor foi nomeado 
Pois o Bento Dezesseis 
– Oh homem da cara dura –
E, sei lá, despreparado, 
Ou com pouca paciência 
Pra lidar com esse mundo 
Que anda tão dequedente 
E requer umas diligências 
Das muito bem aprumadas...”
Bastaria uns três minutos 
Pra Francisco aprender 
Umas duzentas palavras 
Com a prosa de mamãe 
E com toda sua fé 
Dona Mazé levaria 
Ao papa tranquilidade 
Como se, numa só pessoa, 
Francisco, então, descobrisse, 
Toda a fé da humanidade.
Inda tem uma coisinha 
Que mamãe não esqueceria
Perguntaria a Francisco
Se ela não estaria certa
Em dizer que o coisa ruim
Que ora ocupa a presidência 
E que bate continência 
Pra bandeira americana 
(Oh sem-vergonha!) 
Trouxe tanto azar pro povo 
Que até uma pandemia 
Se espalhou no mundo todo! 
O papa, então, sorriria 
Sem esticar o assunto 
E quando dissesse, afinal, 
Já é hora de voltar, 
Pois deixei em minha mesa 
Uma ruma de problemas 
Para conversar com Deus, 
Mamãe diz pra ele ficar 
Ao menos, até o almoço 
Pois já desligou as panelas 
E já vai levar pra mesa 
Um gostoso mugunzá 
Acredito que Francisco 
Depois de provar o prato 
Vai pedir perdão a Cristo 
Para passar mais um dia 
No estado do Ceará 
Na rua do Seminário 
No centro de Juazeiro 
Com mugunzá, reza e prosa
O papa vai relaxar 
E na casa de mamãe 
Será um simples romeiro
Que veio pra se arranchar... 


Ilha de São Luís, 09/05/2020, 15h17min (com a ajudinha de Annes Lima Silva Souza). 




Imagem de domínio público, disponível em www.pixabay.com.

sexta-feira, 8 de maio de 2020

Pausa para um rap: "O amor é minha droga"



Pausa para um rap, escrito anos atrás: "O amor é minha droga" 



Viver é perigoso, já dizia o gênio Rosa
E os esquecidos
Pelo sistema
Têm que gastar
Muito mais prosa
Pra imaginar a vida um happy­end de cinema
Não é fácil, eu te garanto, mano,
O capitalismo, sempre pegando em nosso pé
Se o nego é fraco, viver é um desengano
Se não tem amor, quem é que quer viver?
Mas não pense que aqui na periferia
Não nascem flores, não cresce gente decente,
Porque aqui, sim, existe muita poesia
Mesmo em meio a um Estado prepotente.
Por isso eu vou viver, eu decidi,
Não vou me drogar, não vou desistir,
Não vou fugir, não vou me iludir,
Vou viver a vida com o amor que eu sempre quis.
Uma menina me ensinou que o amor
É minha droga, é minha prova de fogo
É minha chance de virar o jogo,
E vai me acompanhar aonde quer que eu vá.
Eu vou viver, vou valorizar
Cada segundo da minha existência
Mesmo sabendo que às vezes falta pão,
Falta dinheiro, mas não falta a persistência
De ir à luta, de ir contra o sistema,
De se unir aos manos por uma nova vida
Em que o amor não seja um dilema,
Mas a inspiração da terra prometida.
Por isso eu vou viver, eu decidi,
Não vou me drogar, não vou desistir,
Não vou fugir, não vou me iludir,
Vou viver a vida com o amor que eu sempre quis.
Uma menina me ensinou que o amor
É minha droga, é minha prova de fogo
É minha chance de virar o jogo,
E vai me acompanhar aonde quer que eu vá.
E vai me acompanhar aonde quer que eu vá.
E vai me acompanhar aonde quer que eu vá.




Imagem de domínio público, disponível em www.pixabay.com. 

quarta-feira, 6 de maio de 2020

A peleja de Xing, de Xang e da Super-Mãe contra o Capitão Maligno


Capitão Maligno apontava sua pistola viral para Xang quando Xing lhe deu um caratê. O Capitão gemeu e fez cara de dor, mas não deixou a pistola cair.
Voltou a apontar a pistola, ora para Xing, ora para Xang, e, com sua risada tenebrosa:
– Huá huá huá!! Depois que atirar esse vírus em vocês, ninguém mais vai me vencer (gargalhada macabra).
Mas, antes que disparasse o terrível raio de vírus, a Super-Mãe apareceu entre o Capitão Maligno e os heróis Xing e Xang.
– Esqueceu de mim, Capitão Maligno!
– Super-Mãe!! Não contava com a sua coragem – e agora o Capitão Maligno apontava para a Super-Mãe sua diabólica pistola viral.
– Não atile na Super-Mãe, seu malvadão! A Super-Mãe é boazinha! – disse Xang, com muita raiva.
Mas... Zui-zui-zui-zui... A pistola viral lançou uma rajada de covid19 sobre a heroína...
– Oh... Tarde demais... – disse a Super-Mãe, antes de cair.
Enfurecido, Xang avançou no Capitão Maligno e segurou uma das suas pernas:
– Seu disglaçado!!
O Capitão respondeu cinicamente com sua gargalhada macabra.
– Vou tentar tirar a pistola dele! – Xing correu em direção ao vilão e tentou alcançar a pistola.
– Vocês não me vencerão, seus pirralhos! (gargalhada macabra). Infectarei o mundo todo, só eu não pegarei a doença, porque eu tenho o antivírus! (gargalhada macabra).
Xing soltou o braço do Maligno, pôs as mãos na cintura e tentou argumentar:
– Mas aí todos vão morrer e você vai ficar sozinho no mundo! Você já pensou nisso?
Capitão Maligno ficou estático, com Xang agarrado na sua perna. Parecia refletir sobre os argumentos de Xing, mas...
– É verdade. Ficarei sozinho, mas não tô nem aí, sabe por quê? Porque eu sou mau, muito mau!! (gargalhada macabra). 
Essa atitude desdenhosa enfureceu Xing, que partiu com tudo em direção ao Capitão. Visava a mão do vilão. Tentando tirar sua pistola, conseguiu derrubar a arma no chão. A pistola rolou para trás do Maligno.
– Minha arma! Não posso ficar sem ela! – esbravejou.
Ao tentar se virar para procurar a pistola, com Xang segurando fortemente numa das suas pernas, o vilão perdeu o equilíbrio e caiu sobre a própria arma.
– Vai molê! O raio entlô pela bunda!! – Xang desmanchava-se em sorrisos.
– Espera! – disse Xing, observando, paciente, se Capitão Maligno esboçaria alguma reação. Mas, ele só gemeu um pouco, depois expirou, com a língua para fora.
– Vencemos!
Xing e Xang começaram a dançar abraçados.
– Espela – disse Xang. A nossa mã... A Super-Mãe moleu também. E agola?
Repentinamente, a Super-Mãe reagiu e falou, com a voz sôfrega, cheia de pausas:
– Xing e Xang, vocês salvaram a humanidade, vocês derrotaram o Capitão Maligno.
– Mas você vai molê!! – gritou Xang, como se a vitória tivesse sido em vão.
– Não, não vou morrer. Fiquem aqui vigiando o Capitão. Volto já.
E a Super-Mãe saiu, andando com dificuldade, foi até a cozinha e voltou com uma garrafa e quatro copos.
– O que é isso? – perguntou Xing.
– Isso é um líquido que mata o vírus – explicou a Super-Mãe. Foi criado por cientistas que estavam fugindo do Capitão Maligno. Eles pediram que eu guardasse. 
– Palece água – disse Xang.
– Não, não é água – disse a heroína, com a voz quase sumindo. É como se fosse uma vacina, só que para beber. Eu vou beber, está bem?
– Tá – disse Xing, balançando a cabeça afirmativamente.
– Bebe logo! – disse Xang.
A Super-Mãe colocou um pouco do líquido num dos copos e bebeu. De repente, duma postura curvada, até então, seu corpo ficou imediatamente ereto. A voz, antes silabada, agora corria normal:
– Estou curada! – gritou a heroína, enquanto dançava em círculos com Xing e Xang.
– Tomem também, vocês podem ter sido atingidos pelo raio e não terem percebido.
E colocou um copo para cada um dos heróis.
– Tem gosto de água – ainda disse Xang.
– Não é água, é vacina – corrigiu Xing, antes de tomar um gole. Antivírus – completou.
– Muito bem, estamos curados. Mas, atenção, Xing e Xang, não podemos nos descuidar. O que continuar fazendo, daqui pra frente? 
Xing e Xang entreolharam-se. 
– Continuar lavando as mãos com água e sabão, álcool, álcool em gel... – explicou Xing. 
– Máscalas! – gritou Xang, que já tinha observado que a Super-Mãe segurava quatro máscaras de cores diferentes. 
– E... – a Super-Mãe esperava algo mais... 
– Ficar em casa! – completou Xing. 
A Super-Mãe aplaudiu. 
– E o Capitão Maligno? Vamos salvar ele também?
– Não, que ele é mau! – antecipou-se Xang, com fúria nos olhos.
– E se ele prometer que vai ficar bom? – questionou a Super-Mãe.
Nesse exato momento, o Capitão gemeu e, com dificuldade, falou:
– Me ajudem, por favor... Eu prometo ficar bom... Se me salvarem, só farei o bem daqui pra frente...
Coincidentemente, o Capitão Maligno falou as exatas palavras que a Super-Mãe queria ouvir.
– Vamos salvá-lo! – gritou a heroína. 
Mas, enquanto a Super-Mãe colocava no copo o líquido salvador, Xing gritou:
– Espera!
Aproximou-se do vilão e afirmou, com autoridade:
– Você vai ter que assinar um documento, lá na ONU, dizendo que não vai mais fazer mal pra ninguém!
– O quê? – perguntou o Capitão Maligno, atarantado.
A Super-Mãe sorriu, e reforçou a condição:
– Isso mesmo, seu malvado! Nós não somos besta! Vai ter que assinar um documento dizendo que de hoje em diante vai ser um cara muito legal! Ouviu?
– Lá na ONU! – lembrava Xing.
– Isso! – completou a Super-Mãe. Lá na ONU.
Segurando um sorriso, o Maligno implorou:
– Assino, mas, por favor, salvem minha vida!
Ele, então, bebeu o líquido oferecido pela heroína. Alguns segundos depois, sentou e sorriu.
– Conseguimos – gritou a Super-Mãe, juntando os quatro num grande abraço.
Quando o Capitão levantou-se, Xing explodiu numa gargalhada, apontando para o traseiro do ex-vilão:
– A banana tá toda esmagada na bunda do senhor! Eca!
Xang rolou no chão, sorrindo.
Antônio, também sorrindo, começou a se desfazer da fantasia de vilão: retirou a peruca, de tantos e tantos carnavais, retirou o terno, usado pela última vez quando fora receber o diploma da graduação em Ciências Contábeis e abraçou Margarida, agora já sem a fantasia de Super-Mãe.
– Terminada nossa aventura, agora é o quê? Operação Banho! Xing e Xang, pro banheiro.
Simon (Xang) e Simone (Xing) dispararam, disputando quem chegaria primeiro. Margarida acompanhou os filhos.
Antônio livrou-se da calça e aproximou-se da janela. Exausto, olhou pelas persianas a rua lá fora. Abriu a janela e ouviu um enorme silêncio.
Observava o vazio quando viu um esmoler do outro lado da rua. O homem mexia em latas e sacolas.
De repente, Antônio se sentiu culpado por viver feliz. Fechou a janela e voltou a ouvir a fanfarra dos filhos, no banheiro.
Era o segundo dia de lockdown na cidade de São Luís do Maranhão.

São Luís, 06/05/2020, 17h27min.


Imagem de domínio público, disponível em www.pixabay.com. 

terça-feira, 5 de maio de 2020

SOS Brasil



Uma singela homenagem a Aldir Blanc... 


Aldir, 

Eu hoje me embriagando, 
De whisky com guaraná, 
Ouvi tua voz murmurando:
Mesmo que eu mande, em garrafas, 
Mensagens por todo o mar, 
Meu coração tropical 
Partirá esse gelo e irá 
Com as garrafas de náufragos e as rosas, 
Partindo o ar. 

E, sabendo que 

A esperança dança 
Na corda bamba de sombrinha 
E em cada passo dessa linha pode se machucar, 

Devemos gritar:

Do Brasil, SOS ao Brasil! 
Do Brasil, SOS ao Brasil! 
Do Brasil, SOS ao Brasil! 

(Lembrar & repetir 
Nunca é demais:

Glória
A todas as lutas inglórias
Que através da nossa história

Não esquecemos jamais...)


segunda-feira, 4 de maio de 2020

guenzos




(Burburinho. A professora pediu silêncio.
Sorrisos. Distrações. Como iriam aprender História daquele jeito? Como seriam capazes de compreender o passado? O que estava acontecendo?
– A mãe dele chamou ele de guenzo.
– A mãe de quem chamou quem de guenzo?
– A mãe do Lucas.
– O que foi que a mãe do Lucas fez?
– Chamou de guenzo, o próprio filho dela.
– Foi não, professora!
– Foi sim! A mãe dele tá quebrando coco de novo…
E a professora, zangada:
– Eu não quero saber quem é guenzo, quem não é, não quero saber se a mãe de fulano ou beltrano voltou a quebrar coco, só quero dar minha aula, ok? Então, vamos continuar de onde paramos. Abram o livro no capítulo sobre a escravidão no Brasil!) 

Ontem à noite, Lucas e Gabriela lembravam desse dia, sorrindo e proseando na calçada da ruazinha solitária do povoado, ouvindo a cantiga dos sapos, debaixo duma enorme lua amarela (entocados, distantes do mundão lá fora, em caótica pandemia.)



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domingo, 3 de maio de 2020

guerras



Sou descendente das guerras palmarinas.
Dia desses, disse ter ascendência real e uns moleques sorriram. Uns moleques.
Dentro de mim, sinto-me como um rei.
Mas a sociedade me declara guerra diariamente.
Estou sempre esperando tapetes serem puxados ou os sapos que querem me empurrar goela-a-baixo.
Vejo-me numa floresta, na África, livre, talvez até como um bicho, sim, um macaco, quem sabe, não é assim que querem que sejamos, poderia ainda viver na floresta e viver bem melhor, pelo menos não seria abduzido pela ilusão dessa minguada aposentadoria.
– O senhor é inteligente, seu Alfredo. O senhor não precisava ter puxado a faca pra um policial.
Ele me chamou de macaco.
– Agora é arcar com as consequências. Mas o senhor aproveite esses dias, vá pensando sobre a vida e comece a escrever um livro. Bom, vou ter que fechar a cela.
Já fecha tarde.



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sábado, 2 de maio de 2020

Que fim levaram todas as flores?




Estava bêbado quando chegou, olhou para o caixão e foi logo chorando.
– Esse homi num merecia morrer… Esse homi era homi com letra graúda. Era um pai de famia honrado. Só era preto, mas pense num homi honesto, sério… Se a fiarada num saiu que nem ele, só Jesus pra ispricar esse desacontecido. Já tinha perdido a muié, outra santa, ficaram só os condenado dos fi dando trabaio…
Alguém se levantou, segurou no braço do bêbado e saiu arrastando-o.
– Oxi, qué isso? A gente num pode nem menagear um amigo não, é?
Outro alguém foi até lá e pediu para o primeiro alguém soltar o bêbado: deixa ele (como se adivinhasse que haveria um tempo de velórios vazios em que até dos bêbados sentiríamos saudades...)
Solto, o bêbado levou a mão ao bolso da calça e disse, serenamente:
– Esfria aí…
Do bolso, tirou uma flor machucada.
– Como num sei que fim levaram as flor desse velório, eu truxe essaqui pro meu amigo.
E o bêbado foi lá e colocou a murcha flor sobre o humilde caixão de madeira.




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sexta-feira, 1 de maio de 2020

Pausa do Dia do Trabalhador

Uma pausa no trabalho da artesania verbal.
Afinal, hoje é 1º de Maio...

quinta-feira, 30 de abril de 2020

Janelas, ainda



Ontem foi dia de rever um clássico: “Janela indiscreta”, de Hitchcock. O fotógrafo com a perna engessada, sentado o dia todo, observando da sua janela a vida da vizinhança, até que supõe ter ocorrido um assassinato num dos apartamentos do outro lado. Bem apropriado para o momento. 
As janelas eram (ainda são?) a película que aproximava casa e sociedade. Num tempo em que as janelas podiam ser abertas. No ano passado, visitando minha cidade natal, Juazeiro do Norte, fiquei abismado com a quantidade de casas com grades nas janelas. Se tem grades, já não são mais janelas. 
Na minha infância, não se viam engradados nas casas. As janelas eram realmente janelas. Serviam para a interação, para o contato humano. Lembrei de algumas letras do Chico:
“O tempo passou na janela e só Carolina não viu.”
“Como essa moça é descuidada, com a janela escancarada.”
Ou, aqueloutra, mais famosa: 
“A moça feia debruçou na janela, pensando que a banda tocava pra ela” (que deixou o Chico tão de saco cheio, que ele fez a mala e correu, para não ver a banda passar).
Houve um tempo em que as janelas facilitavam o encontro amoroso. Era engraçado: a moça na janela sorria para o rapaz que passava, e este chegava em casa flutuando: “Acho que estou amando!”. Lembram do Álvares de Azevedo? 
“Eu a vi... minha fada aérea e pura —
a minha lavadeira na janela”. 
Irônico, sem deixar de ser romântico. 
Cena bem comum, pelo interior do Brasil, num tempo não tão distante: pessoas amontoadas por fora de uma janela, olhando para dentro da casa, e tanto os de dentro como os de fora, hipnotizados pela televisão. Sim, a televisão, nosso primeiro black mirror. Ou seja, de uma janela, que dava para o seu mundo real, você olhava para outra janela, que dava para um mundo ficcional, fossem as novelas, fosse o Jornal Nacional, escondendo os crimes da ditadura e fazendo crer que vivíamos num país abençoado por Deus. 
Os que não tinham dinheiro para adquirir uma televisão, iam assistir, pela janela, na televisão do vizinho. Os mais solidários, convidavam para entrar. Os mais ranzinzas às vezes fechavam a janela na cara de uns menininhos buchudos e remelentos, que só queriam se divertir, vendo desenho animado ou saber como terminaria o filme emocionante da sessão da tarde... 
Nos dias atuais e principalmente nesse Brasil de ignorância e trevas, as janelas têm servido para protestar contra o governo fascista e o seu descaso no combate ao coronavírus: são os panelaços. 
Quanto às janelas virtuais, as lives têm nos distraído do medo e da dor causados pela pandemia. Inclusive, o 1º de maio deste ano, amanhã, organizado pela Central Única dos Trabalhadores, será uma grande live que unirá artistas e políticos. 
Então, combinemos mais uma vez, as janelas podem, sim, propiciar uma conexão real e bem sucedida: só precisam ser abertas para as pessoas certas.


Imagem de domínio público, disponível em www.pixabay.com.

quarta-feira, 29 de abril de 2020

Janelas



Desde ontem que passei a publicar textos inéditos, dando continuidade ao projeto "Fique em casa que eu te dou um conto". Ontem, um poema. Hoje e nos próximos dias, crônicas.


Janelas 


Acordei hoje com uma música na cabeça:

Eu ando pelo mundo
Prestando atenção em cores
Que eu não sei o nome
Cores de Almodóvar
Cores de Frida Kahlo
Cores!
[...]
Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela? Quem é ela?
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle [...] 

A música é “Esquadros”, de Adriana Calcanhoto. 
Devo ter sonhado com enquadramentos, com janelas. Normal, em se tratando da época em que estamos vivendo. O isolamento tem feito com que olhemos a vida pelas janelas. Sejam elas as janelas físicas dos nossos lares ou as janelas virtuais dos celulares, tablets, computadores. A gente está se acostumando a procurar enxergar a vida-através-da-janela. 
Agora há pouco, por exemplo, enquanto eu lavava os pratos, antes do café, e ouvia Adriana Calcanhoto no celular, na janela do apartamento em frente tocava uma música bem ritmada. Parei o que estava fazendo, pausei a música que estava ouvindo e olhei para a janela do outro lado. Mas... Não foi possível identificar a música; nem imaginar a vida dos meus vizinhos, por trás da janela, à minha frente. 
Depois do café, abro a janela do meu celular. Diante dos olhos, várias outras janelinhas. Abro a janelinha do WhatsApp. Mas, antes que vocês se unam em coro, repetindo “Viciado! Viciado!”, explico: vou interagir com meus alunos e minhas alunas. É que desde que as aulas foram interrompidas, em função da pandemia, o famoso aplicativo, tão popular no Brasil, tem sido nossa principal ferramenta educacional; minha e de outros e outras professores e professoras. 
Quem, dentre nós, diria, um mês e meio atrás, que o WhatsApp seria “uma janela para o saber”? Poético, não? Bem que estamos tentando transformar em realidade essa poesia educacional, mas... 
Bem ou mal sucedidos, descobrimos a importância das redes sociais, para além da superficialidade de que são acusadas. No caso do uso educacional do WhatsApp, os alunos têm reclamado, não do aplicativo em si, nem das aulas, mas do excesso de postagens e de atividades. E, em pensamento, alguns de nós, professores, com caras de diabinhos: “Então, vocês estão se reclamando que não aguentam mais pegar o celular e topar com ele cheio de mensagens? Que engraçado!...”
Alguns dos nossos estudantes podem questionar onde está o humor dessa situação. Mas, peço que me perdoem, uma das coisas que mais me diverte, faz uma semana, é uma mensagem em áudio de uma aluna, em que, reclamando das aulas online, ela diz (textualmente): “Professor, tem dia que eu não faço é dormir. Só fazendo essas atividades. Tu é doido, siô! Tem dia que eu faço é chorar aqui, dentro do meu quarto.” O sem-coração aqui vai às gargalhadas, ouvindo essa gravação, principalmente pelo tom verdadeiramente choroso da voz e, sei lá, o inusitado da situação. 
Então, estoicamente, professores e estudantes, tentam contornar o isolamento sócio-educacional através dessa experiência online, em que se sobressai o desejo de acertar, abrindo janelas virtuais e apostando na vontade de aprender. 
A experiência educacional já foi bem pior, pois havia menos janelas. Em 1997, fui contratado para dar aulas de português e matemática a um grupo de pessoas, moradoras do povoado Juçaral do Vital, zona rural do município de Pio XII. As aulas aconteciam aos domingos. Um taxista me levava e me trazia. As aulas tinham como conteúdo os assuntos constantes no edital do concurso que a prefeitura realizaria. 
Ao final do primeiro domingo de uma bem sucedida aula, quando voltávamos para casa, o taxista parou o carro, a pedido de um homem, na beira da estradinha empoeirada. Baixei o vidro e, pela janela do carro, vi lá fora um homem jovem, pequeno, que sorriu para nós. 
– Tudo bem, né? 
– Tudo bem, respondi, retribuindo a simpatia. 
– Pois é...
– Pois é... – repetiu o motorista. 
– Té mais, disse o rapaz lá fora. 
– Até, repeti. 
Cinco minutos depois, o taxista me perguntou:
– Sabe quem é aquele ali? 
– Não. 
– O Carrada. 
– O Carrada? 
– O Carrada. Ele veio assuntar quem tu era. 
Nessa época, o Carrada era enquadrado nas colunas policiais como um dos mais perigosos bandidos do Maranhão. A ele eram atribuídos assaltos, sequestros, assassinatos... Um dia antes daquele domingo, lembro de uma vizinha gritando com o filho, que brincava na rua:
– Menino, tu entra pra dentro!! Tomara que o Carrada chegue aí e te carregue, maluvido!! 
Pois bem. Então, o Carrada era o terror em pessoa. Mas, da janela do carro, o que eu via era um rapaz que, fisicamente, não representava ameaça visível (ele morreria alguns anos depois, em troca de tiros com a polícia; versão oficial). 
Então, combinemos, estudar era mais difícil, ensinar mais ainda. Contudo, o que a metáfora da janela parece querer nos dizer é que nem sempre o “real” é apresentado no enquadramento que capta os nossos olhos? Ou, vou no popular, quem vê cara não vê coração, e a história do Carrada é uma parábola sobre isso? 
Nossos olhos são captados – ou seria melhor dizer, capturados – pela imagem, e não o contrário. Isso tem acontecido bastante, nesses tempos de redes sociais e manipulações virtuais. Mas não entremos em pânico. Não venham dizer que o mal reside no outro lado da telinha. O mal e o bem residem em qualquer lugar. Uma das coisas positivas dessa pandemia é que o black mirror se mostrou mais solidário que monstruoso. 
Quanto a não sabermos o que as pessoas escondem atrás das janelas de suas almas ou até que ponto estão realmente conectadas umas com as outras, isso independe da forma do contato, se no corpo-a-corpo ou por meio de um aplicativo de celular. Posso estar conversando com uma pessoa, sentada ao meu lado, e o seu pensamento estar longe, completamente desconectada de mim, dos meus pensamentos, dos meus sentimentos... 
Lamento, leitores e leitoras, interromper essa crônica no exato momento em que ela parecia estar se tornando profunda e necessária. É que eu a escrevo no celular, andando de um lado para o outro do apartamento e, ao olhar da janela da sala, percebo a vizinha à frente me observando... Vou parar por aqui: deitar ali na semiescuridão do quarto e ouvir Adriana Calcanhoto, pequena pausa antes de postar, no WhatsApp, minha próxima aula de língua portuguesa.


São Luís, 29/04/2020, 16h10min.


Imagem de domínio público, disponível em www.pixabay.com
By, Noe Calderon: https://pixabay.com/pt/users/noe_calderon-7222335/


Para curtir “Esquadros”, de Adriana Calcanhoto: https://m.youtube.com/watch?v=XwddDUCbEVw


terça-feira, 28 de abril de 2020

Pra não pirar


Pausa para um poema...

Depois do poema de hoje, volto a postar contos, amanhã.
Somente contos inéditos. A segunda fase, digamos, do projeto "Fique em casa que eu te dou um conto".

Por enquanto, pausa para um poema...


Pra não pirar 

Pra não pirar, eu danço 
Pra não pirar, eu canto 
Pra não pirar, eu ensino 
Pra não pirar, eu aprendo 
Pra não pirar, eu luto 
Pra não pirar, eu sonho 
Pra não pirar, eu durmo 
Pra não pirar, me levanto 
Pra não pirar, eu lembro 
Pra não pirar, relembro
Pra não pirar, eu escrevo 
Pra não pirar, imagino
Pra não pirar, trabalho 
Pra não pirar, vagabundeio
Pra não pirar, eu brinco 
Pra não pirar, acho graça de mim 

Arte

pra 
não 
pirar 

Conecto 
Reconecto
Vejo 
Falo 
Escuto 
Proseio
Poesomatizo tudo:
Pra não pirar 

Pra não pirar: 
uma sereia
no meu mar

Pra não pirar: 
no vento da madrugada, 
viajar 

Pra não pirar: 
um táxi
lunar 

Pra não amofinar, eu me confino 
Dentro do coração
(É que ele não tem paredes) 
E num balanço duma webrede 
Meus sonhos 
Atravessam o (de)sertão 
É o meu pão 
Dividido com alegria 
Nesse café virtual 

(Quem dera, 
um mundo novo, 
já...)

Pra não pirar, 
eu amo. 
Tá?




Imagem de domínio público, disponível em www.pixabay.com. 
By Alexas_Fotos: https://pixabay.com/pt/users/alexas_fotos-686414/

segunda-feira, 27 de abril de 2020

Anedotas sur(reais)


A mulher, no nono mês de gravidez, aflita, pois se aproxima a hora do parto, procura o prefeito:
– Eu queria que o senhor me arranjasse um carro pra eu ir ter meu filho em São Luís.
O prefeito, chateado, se levanta e esbraveja:
– É assim mesmo! Vai nascer o filho, tá precisando de um carro, vem me procurar! Mas na hora de fazer não me procura...


* * *


O homem procura o prefeito e pede uma ajuda para o transporte, para voltar para sua casa, na zona rural.
O prefeito diz que não tem.
O homem insiste:
– Mas é só 5 real!
O prefeito:
– Não tenho! Pode enfiar a mão nesse bolso aqui – e aponta para o bolso direito da calça –, você não vai encontrar nada!
O homem se aproxima e tenta enfiar a mão no bolso esquerdo do prefeito.
E o prefeito:
– Eu disse esse bolso aqui! – volta a apontar para o bolso direito e afasta-se rapidinho do “intrometido”.


* * *


Um cidadão pobre está com os filhos doentes, procura o vereador em quem votou e mostra uma receita: precisa de dinheiro para comprar os remédios.
O vereador finge que lê a receita e dá uma de coitadinho:
– Eu queria ajudar, mas não tenho agora e meu salário só sai daqui a quinze dias.
O cidadão insiste: não poderia comprar fiado em alguma farmácia, para o vereador pagar depois?
E o vereador: não, depois da eleição tinha cortado os “fiados”.
O cidadão sai cabisbaixo, sem saber o que fazer.
Distancia-se um pouco e, por trás dele, o vereador:
– Aqui o que eu tenho pra ti! – e faz um gesto obsceno, que o cidadão não vê.
O vereador pensa que ninguém viu. Eu vi.


* * *


Campanha eleitoral. O candidato a prefeito dirige-se a um antigo adversário e possível candidato a vereador e solta essa:
– ... Olha que eu já pensei até em mandar te matar, mas hoje eu te convido a ficar do nosso lado!
Mais convincente, impossível.


* * *


Prefeitura. Secretariado reunido a portas fechadas, dividindo um “dinheirinho” extra. Divisão feita com “justiça”: nenhum recebeu mais que o outro. Alegria estampada na cara de todos.
Alguém lembra que está faltando um secretário.
– É só a gente não deixar ele saber! – diz um dos secretários, sussurrando.
– É! – concordam todos – Silêncio sobre o assunto! – reitera outro, ainda sussurrando.
Mas eis que batem na porta e... surpresa! É o secretário que faltava.
– Não me mandaram convite pra festa, mas eu espero que tenham guardado um pedaço do bolo pra mim!
Os outros trocam olhares, atônitos.
Até que o secretário responsável pela partilha intervém:
– Como é que a gente ia esquecer de tu? – abre a gaveta e tira de lá outro “bolo” de notas.
– Tá aqui o teu – e passa o dinheiro ao recém-chegado, que, faz uma rápida conferência, olha pra todos, diz “ai, chica!” e sai mais rápido que entrou.
O que tinha “dividido o bolo” vê a cara de perplexidade dos outros com a súbita aparição daquele novo pacote de dinheiro e explica:
– Essa foi por pouco! Se eu não fosse esperto... Eu sabia que ele ia aparecer e já deixei separado o dele!!
Os outros ainda continuaram por alguns segundos com cara de poucos amigos (aliás, nessa hora, eles preferiam não ter amigo nenhum).


Do livro "Pio XII: ficção & memória", 2019.

Imagem de domínio público, disponível em www.pixabay.com.