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quinta-feira, 8 de setembro de 2022

Cordel do Setembro Amarelo

 


Falar sobre suicídio
Não é fácil, não senhor.
Pois mexe com sentimentos,
Temos que falar da dor
Perguntando a nós mesmos
Onde se escondeu o amor.

Setembro foi escolhido
O mês para prosear,
Sobre o delicado tema
Nós temos que conversar.
Sobre as causas da tristeza
É necessário falar.

Na vida contemporânea,
Tantas e tantas pressões
Inibem muitas pessoas
E trazem desilusões,
Atrapalham as alegrias,
Provocam decepções.

Quem de nós se preparou
Pra nunca falhar na vida?
Quem que sabe o que fazer
Pra curar qualquer ferida
De uma alma que às vezes
Se sente desprotegida?

Tem esse individualismo
Que isola os seres humanos,
E tem muita opressão
Alterando tantos planos,
E uma intensa exploração
Perpetrando muitos danos.

Como enfrentar tudo isso
E permanecer em paz?
Na cabeça de uma pessoa
Se passam coisas demais...
Tem os que reagem lutando
E outros sufocam seus ais.

Jovens, idosos, indígenas...
Merecem mais atenção.
Bem como todos que moram
Nessa ou naquela nação
Que não remunera direito
Os que lutam pelo pão.

Seja assédio ou menosprezo
Aos sentimentos de alguém,
Ou seja tratando mal
A quem te tratou tão bem,
Tudo machuca profundo
E a depressão logo vem.

De apoio psicológico
Muitos estão precisando.
Sabe aquele silêncio
De quem mal está olhando?
No íntimo a pessoa espera
Que cê vá se aproximando.

Sobre o que nos causa dor
É difícil se expressar.
Mas é mais difícil ainda
Sem ninguém para escutar.
Se puder, cale um pouquinho
Pro seu amigo falar.

Deixe que ele ou ela fale
E não faça julgamento.
Também não compare entre
Um e outro sofrimento.
Cada história é singular,
Singular cada lamento.

Se não há muito lugar
Para acolher a tristeza,
Quem puder ouvir, que ouça
E deixa fluir com leveza
Do fundo de cada ser
Sua ocultada beleza.

Não somos proibidos de
De vez em quando falhar.
E se somos imperfeitos,
A dor devemos mostrar
Àqueles nossos amigos
Que estão prontos pra escutar.

É grande a alienação
Na atual sociedade.
Nas redes sociais se vê
Uma falsa felicidade.
Sabe mesmo o que importa?
Ser quem somos, de verdade.

Quero chamar a atenção
Pra essa singularidade
De sermos, no fundo, iguais
E de sermos novidade.
Única, cada pessoa
Em sua individualidade.

Portanto, sejas quem és...
E viva a complexa vida!
Você vai ter machucados,
Vai ter mais de uma ferida,
Mas valorize a história
Só por você construída.


Pio XII, Maranhão, 08 de setembro de 2022, 14:46.

sexta-feira, 2 de setembro de 2022

buraco

 


Sim, era tudo floresta:

Galáxias de mato verde.

Bebia com os passarinhos

E juntos matavam a sede.

Mas foi sumindo seu mundo...

Cadê seus irmãozinhos, quede?

 

Uma fera sanguinária

Que as matas espreitava

Cuspiria fogo e ódio

A quem no caminho encontrava.

Terra, minério, madeira

- O tudo nunca lhe bastava.

 

Foi assim então que os índios,

Que o povo que ali vivia,

Foi morrendo, e assassinado

A cada lua, a cada dia,

Ficando, então, a floresta,

Sem vida, sem alegria.

 

Com muita cisma, com medo

Do “homem civilizado”,

Só um índio, então, restou,

Do universo abandonado.

Mas com um universo todinho

Em seu âmago alado.

 

Escondia-se pra não ver

A “civilizada gente”.

Embocava pela mata

Pra não ficar frente a frente

Com o monstro da ganância

Ambicioso, demente.

 

Quando é que a vida tornou-se

Um buraco na floresta?

Bem atento ao sol andante,

Já não mais fazia festa

Com seus amigos bichinhos.

A esperança ainda lhe resta?

 

Buracos, muitos buracos,

O índio passou a cavar.

E na imensa floresta

Um buraco era seu lar.

Tudo pra sobreviver

E preservar seu sonhar.

 

Em completa solidão

Entregou-se à sua dor.

Duvidou das divindades,

Desacreditou do amor:

Em seu idioma não tinha

Sinônimo para “terror”.

 

Mas terror foi o que viu,

Com seu mundo devastado.

Carregou sua tristeza

Em seu oco isolado.

Foi de “índio do buraco”

Que passou a ser chamado.

 

E eis que ele, afinal,

O homem branco encontrou.

Não foi um encontro marcado,

Não foi combinação de amor.

Ao contrário, foi achado

Depois que a morte o levou.

 

Estava vestindo penas

De araras e outras aves.

Pr'além do oco final,

Sonhou com barcos, com naves

E nuvens viajadeiras

Pra lugares mais suaves.

 

Mas e seu verdadeiro nome?

Que nome esse índio tinha?

E seus mitos, suas lendas

De onde sua história provinha?

Como é que ele chamava

Sua cantante avezinha?

 

Em nosso país não foi luto

E poucos choraram sua ida.

Mas com ele vai-se embora

Grande pedaço da vida:

Ventos duma cosmologia

Sem destino, sem saída.

 

Poucos de nós percebemos

Que acabou-se uma nação.

Que sóis, estrelas e luas

Nunca mais orbitarão

Esse encantado universo

Do qual nunca falarão.

 

Mas eu falo. Sim, eu falo

Dum buraco que se abriu,

Esse cósmico buraco

No coração do Brasil.

Embora falar não possa

Da alma que se esvaiu.

 

O retrato de quem somos,

Nossos indígenas são.

Sépias fotografias

Que na moldura já não estão.

E em nossos futuros álbuns?

Será que nunca estarão?

 

Do capital, a cobiça

Avança sem se deter.

Cada índio, cada tribo

É preciso proteger.

Locupletando os vazios

Do nosso jeito de ser.

 

Buracos nenhum na mata

Não fizéssemos jamais...

Se cuidássemos da vida

E da cultura ancestrais,

Orgulhosos choraríamos

Avôs, avós, mães e pais.

 

Santa Inês, Maranhão, 02/09/2022, 13:22.