Sim, era tudo floresta:
Galáxias de mato verde.
Bebia com os passarinhos
E juntos matavam a sede.
Mas foi sumindo seu mundo...
Cadê seus irmãozinhos, quede?
Uma fera sanguinária
Que as matas espreitava
Cuspiria fogo e ódio
A quem no caminho encontrava.
Terra, minério, madeira
- O tudo nunca lhe bastava.
Foi assim então que os índios,
Que o povo que ali vivia,
Foi morrendo, e assassinado
A cada lua, a cada dia,
Ficando, então, a floresta,
Sem vida, sem alegria.
Com muita cisma, com medo
Do “homem civilizado”,
Só um índio, então, restou,
Do universo abandonado.
Mas com um universo todinho
Em seu âmago alado.
Escondia-se pra não ver
A “civilizada gente”.
Embocava pela mata
Pra não ficar frente a frente
Com o monstro da ganância
Ambicioso, demente.
Quando é que a vida tornou-se
Um buraco na floresta?
Bem atento ao sol andante,
Já não mais fazia festa
Com seus amigos bichinhos.
A esperança ainda lhe resta?
Buracos, muitos buracos,
O índio passou a cavar.
E na imensa floresta
Um buraco era seu lar.
Tudo pra sobreviver
E preservar seu sonhar.
Em completa solidão
Entregou-se à sua dor.
Duvidou das divindades,
Desacreditou do amor:
Em seu idioma não tinha
Sinônimo para “terror”.
Mas terror foi o que viu,
Com seu mundo devastado.
Carregou sua tristeza
Em seu oco isolado.
Foi de “índio do buraco”
Que passou a ser chamado.
E eis que ele, afinal,
O homem branco encontrou.
Não foi um encontro marcado,
Não foi combinação de amor.
Ao contrário, foi achado
Depois que a morte o levou.
Estava vestindo penas
De araras e outras aves.
Pr'além do oco final,
Sonhou com barcos, com naves
E nuvens viajadeiras
Pra lugares mais suaves.
Mas e seu verdadeiro nome?
Que nome esse índio tinha?
E seus mitos, suas lendas
De onde sua história provinha?
Como é que ele chamava
Sua cantante avezinha?
Em nosso país não foi luto
E poucos choraram sua ida.
Mas com ele vai-se embora
Grande pedaço da vida:
Ventos duma cosmologia
Sem destino, sem saída.
Poucos de nós percebemos
Que acabou-se uma nação.
Que sóis, estrelas e luas
Nunca mais orbitarão
Esse encantado universo
Do qual nunca falarão.
Mas eu falo. Sim, eu falo
Dum buraco que se abriu,
Esse cósmico buraco
No coração do Brasil.
Embora falar não possa
Da alma que se esvaiu.
O retrato de quem somos,
Nossos indígenas são.
Sépias fotografias
Que na moldura já não estão.
E em nossos futuros álbuns?
Será que nunca estarão?
Do capital, a cobiça
Avança sem se deter.
Cada índio, cada tribo
É preciso proteger.
Locupletando os vazios
Do nosso jeito de ser.
Buracos nenhum na mata
Não fizéssemos jamais...
Se cuidássemos da vida
E da cultura ancestrais,
Orgulhosos choraríamos
Avôs, avós, mães e pais.
Santa Inês, Maranhão, 02/09/2022, 13:22.
3 comentários:
Parabéns, amor. Muito bem escrito. Você é show de mais da conta.🌟👋👋👋👋👍😘❣️❣️
Show prof
Muito bom professor!
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