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sexta-feira, 2 de setembro de 2022

buraco

 


Sim, era tudo floresta:

Galáxias de mato verde.

Bebia com os passarinhos

E juntos matavam a sede.

Mas foi sumindo seu mundo...

Cadê seus irmãozinhos, quede?

 

Uma fera sanguinária

Que as matas espreitava

Cuspiria fogo e ódio

A quem no caminho encontrava.

Terra, minério, madeira

- O tudo nunca lhe bastava.

 

Foi assim então que os índios,

Que o povo que ali vivia,

Foi morrendo, e assassinado

A cada lua, a cada dia,

Ficando, então, a floresta,

Sem vida, sem alegria.

 

Com muita cisma, com medo

Do “homem civilizado”,

Só um índio, então, restou,

Do universo abandonado.

Mas com um universo todinho

Em seu âmago alado.

 

Escondia-se pra não ver

A “civilizada gente”.

Embocava pela mata

Pra não ficar frente a frente

Com o monstro da ganância

Ambicioso, demente.

 

Quando é que a vida tornou-se

Um buraco na floresta?

Bem atento ao sol andante,

Já não mais fazia festa

Com seus amigos bichinhos.

A esperança ainda lhe resta?

 

Buracos, muitos buracos,

O índio passou a cavar.

E na imensa floresta

Um buraco era seu lar.

Tudo pra sobreviver

E preservar seu sonhar.

 

Em completa solidão

Entregou-se à sua dor.

Duvidou das divindades,

Desacreditou do amor:

Em seu idioma não tinha

Sinônimo para “terror”.

 

Mas terror foi o que viu,

Com seu mundo devastado.

Carregou sua tristeza

Em seu oco isolado.

Foi de “índio do buraco”

Que passou a ser chamado.

 

E eis que ele, afinal,

O homem branco encontrou.

Não foi um encontro marcado,

Não foi combinação de amor.

Ao contrário, foi achado

Depois que a morte o levou.

 

Estava vestindo penas

De araras e outras aves.

Pr'além do oco final,

Sonhou com barcos, com naves

E nuvens viajadeiras

Pra lugares mais suaves.

 

Mas e seu verdadeiro nome?

Que nome esse índio tinha?

E seus mitos, suas lendas

De onde sua história provinha?

Como é que ele chamava

Sua cantante avezinha?

 

Em nosso país não foi luto

E poucos choraram sua ida.

Mas com ele vai-se embora

Grande pedaço da vida:

Ventos duma cosmologia

Sem destino, sem saída.

 

Poucos de nós percebemos

Que acabou-se uma nação.

Que sóis, estrelas e luas

Nunca mais orbitarão

Esse encantado universo

Do qual nunca falarão.

 

Mas eu falo. Sim, eu falo

Dum buraco que se abriu,

Esse cósmico buraco

No coração do Brasil.

Embora falar não possa

Da alma que se esvaiu.

 

O retrato de quem somos,

Nossos indígenas são.

Sépias fotografias

Que na moldura já não estão.

E em nossos futuros álbuns?

Será que nunca estarão?

 

Do capital, a cobiça

Avança sem se deter.

Cada índio, cada tribo

É preciso proteger.

Locupletando os vazios

Do nosso jeito de ser.

 

Buracos nenhum na mata

Não fizéssemos jamais...

Se cuidássemos da vida

E da cultura ancestrais,

Orgulhosos choraríamos

Avôs, avós, mães e pais.

 

Santa Inês, Maranhão, 02/09/2022, 13:22.

 

 

3 comentários:

Annes disse...

Parabéns, amor. Muito bem escrito. Você é show de mais da conta.🌟👋👋👋👋👍😘❣️❣️

Gustavo Vasconcelos disse...

Show prof

Unknown disse...

Muito bom professor!