É uma
pena que a escola ainda não tenha aprendido a ouvir a si mesma, quando se trata
de ensinar o idioma materno.
Ouvir a
si mesma, sim, afinal, o que é a escola sem a comunidade escolar? É na
comunidade e, por tabela, na escola, que encontramos a “contribuição milionária
de todos os erros”, como dizia Oswald, o modernista cuja obra, ainda não
completamente compreendida, nos mostra que não vivemos na
"pós-modernidade", uma vez que a modernidade sequer foi alcançada.
Quando
os professores realizamos nossa “semana diagnóstica” esquecemos de contemplar
nesse diagnóstico os falares da comunidade. Devemos mapear as formas com que
alunos, pais, professores e funcionários escolares nos expressamos
cotidianamente. Para, assim, prepararmos melhor nossas aulas de português.
Ah, o
português... Supostamente, “a língua mais difícil do mundo”. Tão difícil que
bloqueia nossos alunos no aprendizado de uma língua estrangeira.
–
Professor, como é que eu vou aprender inglês, se eu não sei nem português?
Já ouvi
essa pergunta um trilhão de vezes. E, convenhamos, uma pergunta bem elaborada,
para quem insiste em dizer que não sabe a própria língua...
Se a
referência é em relação à língua escrita, não é preciso que todos nos tornemos
escritores, mas que dominemos as formas básicas de expressão (o que não impede,
claro, de alçarmos voos mais altos, rumo aos céus da literatura...).
Meus
primeiros insights linguísticos foram provocados pela minha tia Ina.
Ela falava coisas espetaculares, ao mesmo tempo em que me ensinava como
proceder como bom menino e futuro exemplar cidadão brasileiro. Quando eu queria
continuar comendo uma fruta que acabara de derrubar no chão, por exemplo, Ina,
imediatamente, me mandava “rebolar no mato” a fruta. E, embora nem sempre
tivesse qualquer mato por perto, eu sabia que tinha que jogar fora o outrora
desejado alimento.
Receita
para fazer uma criança parar de chorar era com ela mesmo:
“Chore
não... Que os ói dói e as barata rói.”
A gente
parava de chorar no mesmo instante, imaginando aquela aterrorizante cena:
baratas nojentas roendo os olhos de inocentes crianças... Sem que o soubesse,
minha querida tia compunha uma finíssima imagem surrealista, digna de Buñuel.
“Tanta
lida pra tão pouca vida”, lamentava-se Ina, ditado que eu não entendia na
época, mas que soava imensamente poético (embora eu também não soubesse ainda o
que era poesia).
Enfim:
para falar das expressões e da expressividade de Ina uma crônica é pouco.
A
língua, portanto, é essa coisa mágica, fantástica, mas que requer uma qualidade
que estamos perdendo: o saber ouvir.
Para
aprender, é preciso saber ouvir. Para ensinar, também. Mas são tantos os ruídos
da “pós-modernidade” que nos atrapalham – tanto a nós, professores, como a
nossos alunos – de ouvir bem os sons que
realmente importam, que se revela mui edificante presenciar diálogos como
esse:
– Vou
terminar o ensino médio e não aprendi nada de português. Verbo, por exemplo, o
que é verbo?
– Verbo
é aquele negócio de português. Ó, por exemplo, o verbo “to be”...
E foi
então que, como professor, finalmente entendi aquele ditado que tanto ouvi
durante a infância na voz de minha saudosa tia:
– Tanta
lida pra tão pouca vida...
Pio XII, Maranhão,
24/11/2018, 20h8min.
Para Ina.