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segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Somos todos africanos



Já faz dez anos que escrevi esse  reggae-poema...

 

Somos todos africanos

 

Somos todos africanos

Foi lá que tudo começou

Esqueça se seu pai é louro

Se era branco seu avô

Somos todos africanos

Somos todos africanos


Somos todos africanos

Por isso abaixo a arrogância

É na África que está

A nossa origem, nossa infância

Somos todos africanos

Somos todos africanos


Chega de desprezo

Entre os seres humanos

Não importa a pele, o pelo

Pois somos todos africanos

Somos todos africanos

Somos todos africanos


Ninguém é melhor

Ninguém é superior

Somos feitos da mesma matéria

E todos sonhamos com o amor

Somos todos africanos

Somos todos africanos


Somos todos africanos

Passageiros do mesmo planeta

Uma gota no oceano

Portanto, não seja babaca ou fascista

Somos todos africanos

Somos todos africanos


Somos todos africanos

Somos todos africanos

sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Estava um dia quente e abafado



Estava um dia quente e abafado.

Minha camisa pregada no corpo, meu corpo pregado na bike.

Era a quarta entrega, já passava de meio-dia, e eu, brocado, derretendo, tremendo de fome.

Puta ironia: entregando os bandecos pela cidade e eu nem um copo d’água tinha bebido desde as primeiras horas do dia.

Sentei na pracinha, tinha uma escola perto, alguns sorrisos escapavam dos uniformes.

Vi o carrinho de sorvete e chamei o homem. Comprei um sorvete de coco. Foram dois meses, digo, minutos, no paraíso...

Enquanto eu corria pela cidade, derretendo em cima da bike, o celular tinha tocado umas dez vezes.

Eu, derretendo, e o celular se desmanchando. Quando vou poder comprar um novo? Só deus sabe.

Três ligações do meu irmão, oito de minha mãe. Retornei pra ela.

Ave Maria, meu filho, atende esse celular!

E eu tive tempo? Mas que urgência é essa, dona?

Menino, tu passou no Enem!

Que que a senhora tá dizendo?

Tu passou, criatura! Tá aqui na internet.

Minha fala derreteu por alguns segundos... Mamãe ficou apreensiva.

Francisco, tá me ouvindo? Alô? Alô?

Tô, tô ouvindo, tô ouvindo muito bem. E vou já praí. Só a senhora mermo pra me dar tanta notícia boa! Beijão, chego já aí.

Beijos, meu filho, e parabéns!

Brigadu!!

Eu continuava derretendo, mas a vontade que deu foi de pagar sorvete pra toda aquela galera que ia passando pra escola...

Mas, tinha que encarar a realidade: não tinha grana suficiente pra um gesto tão grandioso...

O mais importante era me manter em estado sólido e me matricular na universidade.

E, como vocês estão me lendo agora, já devem ter deduzido que, apesar do calor que fez naquele dia, inesquecível por vários motivos, o estado da minha matéria continuou inalterado. Quanto ao meu estado de espírito, faz sol com temperatura amena... 

quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Aprender educação financeira: para sobreviver aos jogos mortais do capitalismo



Em outubro passado, a Netflix anunciou que a série Round 6, lançada menos de um mês antes, já tinha sido vista por “111 milhões de lares”, tornando-se, assim “a maior série de todos os tempos”. Round 6 conta a história de um grupo de pessoas com problemas financeiros que aceitam disputar um jogo, cujas regras não conhecem, e sobre o qual logo descobrem que apenas o vencedor sairá vivo. O sucesso da série está associado, sem dúvida, à sua qualidade cinematográfica. No entanto, como o próprio diretor reconhece, o êxito mundial está relacionado à identificação dos espectadores com “a questão da desigualdade social”. Um dos aspectos dessa desigualdade reflete-se no endividamento crescente da população, situação retratada em Round 6 e que, no Brasil, bateu recorde em 2021. Diante dessa realidade, é fundamental garantir que a educação financeira seja efetivada no país, visando, principalmente, proporcionar aos estudantes da rede pública e a suas famílias conhecimentos que os protejam das falsas oportunidades inerentes ao sistema capitalista.

Segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o número de brasileiros endividados chegou a 74% em setembro de 2021, “o maior desde 2010”. De acordo com a CNC, “são 12 milhões de pessoas com algum tipo de dívida, incluindo cheque pré-datado, cartão de crédito, cheque especial, carnê de loja, crédito consignado, empréstimo pessoal ou prestação de carro e de casa”. Essa situação se agrava entre os mais pobres, devido ao fato de que a maioria desconhece as regras do mercado financeiro, ficando, assim, a mercê de propostas aparentemente atrativas, mas cuja intenção é mantê-los condicionados a um sistema de dívidas  que proporciona lucros exorbitantes aos donos do capital. Assim, enquanto milhões de famílias sofrem com dívidas e todas as tensões e conflitos familiares e sociais que delas resultam, os quatro grandes bancos brasileiros (Bradesco, Itaú, Banco do Brasil e Santander) atingiram o maior lucro trimestral da história, chegando a R$ 23,1 bilhões, conforme relatório divulgado em agosto pela Economática, empresa que provê informações financeiras. Esses dados evidenciam a necessidade de uma sólida educação financeira para os brasileiros, prioritariamente entre os de menor renda e que frequentam a rede pública de ensino, para entender o perde-e-ganha desse “jogo” estabelecido pelo capitalismo e, principalmente: quem são os que mais perdem. 

Em dezembro de 2010, o governo federal estabeleceu o Decreto 7397, criando a Estratégia Nacional de Educação Financeira (ENEF). Apesar das expectativas promissoras, onze anos depois, a iniciativa não foi implementada nacionalmente. Pelo contrário: o governo atual anulou-a e baixou um novo decreto, de junho de 2020, extinguindo, entre outras, três importantes diretrizes do decreto anterior: a atuação permanente e em âmbito nacional, a gratuidade das ações de educação financeira e a prevalência do interesse público. A extinção dessas diretrizes revela a inexistência, nos planos do atual governo, de uma educação financeira voltada para a grande maioria dos estudantes. Apesar disso, informação disponibilizada no site da ENEF mostra que houve um aumento do número de ações de educação financeira nas escolas públicas: em 2013, as iniciativas ultrapassavam pouco mais de 30%; em 2018, elas saltaram para 50%. Ademais, o site da ENEF apresenta grande diversidade de material para alunos, professores e interessados em geral, tais como  livros, artigos, vídeos e jogos.

A desigualdade social e de oportunidades e o endividamento individual no Brasil requerem que a educação financeira seja tratada com prioridade em todos os sistemas de ensino. As iniciativas para resolver o problema devem começar pela elaboração de um projeto de lei que transforme a educação financeira em disciplina a partir dos anos iniciais do ensino fundamental. Além disso, o ensino da disciplina não pode estar dissociado da prática social, proporcionando que os problemas financeiros da comunidade possam ser abordados na escola. E, para que a lei não fique no papel, como várias outras em nosso país, a comunidade escolar deve se manter organizada e atuante, exigindo um amplo processo de formação dos professores e outros atores educacionais. Com essa perspectiva, lidar com finanças não representará um jogo ardiloso e de trágicas consequências. Logo: é preciso aprender educação financeira para sobreviver aos jogos mortais do capitalismo.