Pesquisar este blog

quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Aprender educação financeira: para sobreviver aos jogos mortais do capitalismo



Em outubro passado, a Netflix anunciou que a série Round 6, lançada menos de um mês antes, já tinha sido vista por “111 milhões de lares”, tornando-se, assim “a maior série de todos os tempos”. Round 6 conta a história de um grupo de pessoas com problemas financeiros que aceitam disputar um jogo, cujas regras não conhecem, e sobre o qual logo descobrem que apenas o vencedor sairá vivo. O sucesso da série está associado, sem dúvida, à sua qualidade cinematográfica. No entanto, como o próprio diretor reconhece, o êxito mundial está relacionado à identificação dos espectadores com “a questão da desigualdade social”. Um dos aspectos dessa desigualdade reflete-se no endividamento crescente da população, situação retratada em Round 6 e que, no Brasil, bateu recorde em 2021. Diante dessa realidade, é fundamental garantir que a educação financeira seja efetivada no país, visando, principalmente, proporcionar aos estudantes da rede pública e a suas famílias conhecimentos que os protejam das falsas oportunidades inerentes ao sistema capitalista.

Segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o número de brasileiros endividados chegou a 74% em setembro de 2021, “o maior desde 2010”. De acordo com a CNC, “são 12 milhões de pessoas com algum tipo de dívida, incluindo cheque pré-datado, cartão de crédito, cheque especial, carnê de loja, crédito consignado, empréstimo pessoal ou prestação de carro e de casa”. Essa situação se agrava entre os mais pobres, devido ao fato de que a maioria desconhece as regras do mercado financeiro, ficando, assim, a mercê de propostas aparentemente atrativas, mas cuja intenção é mantê-los condicionados a um sistema de dívidas  que proporciona lucros exorbitantes aos donos do capital. Assim, enquanto milhões de famílias sofrem com dívidas e todas as tensões e conflitos familiares e sociais que delas resultam, os quatro grandes bancos brasileiros (Bradesco, Itaú, Banco do Brasil e Santander) atingiram o maior lucro trimestral da história, chegando a R$ 23,1 bilhões, conforme relatório divulgado em agosto pela Economática, empresa que provê informações financeiras. Esses dados evidenciam a necessidade de uma sólida educação financeira para os brasileiros, prioritariamente entre os de menor renda e que frequentam a rede pública de ensino, para entender o perde-e-ganha desse “jogo” estabelecido pelo capitalismo e, principalmente: quem são os que mais perdem. 

Em dezembro de 2010, o governo federal estabeleceu o Decreto 7397, criando a Estratégia Nacional de Educação Financeira (ENEF). Apesar das expectativas promissoras, onze anos depois, a iniciativa não foi implementada nacionalmente. Pelo contrário: o governo atual anulou-a e baixou um novo decreto, de junho de 2020, extinguindo, entre outras, três importantes diretrizes do decreto anterior: a atuação permanente e em âmbito nacional, a gratuidade das ações de educação financeira e a prevalência do interesse público. A extinção dessas diretrizes revela a inexistência, nos planos do atual governo, de uma educação financeira voltada para a grande maioria dos estudantes. Apesar disso, informação disponibilizada no site da ENEF mostra que houve um aumento do número de ações de educação financeira nas escolas públicas: em 2013, as iniciativas ultrapassavam pouco mais de 30%; em 2018, elas saltaram para 50%. Ademais, o site da ENEF apresenta grande diversidade de material para alunos, professores e interessados em geral, tais como  livros, artigos, vídeos e jogos.

A desigualdade social e de oportunidades e o endividamento individual no Brasil requerem que a educação financeira seja tratada com prioridade em todos os sistemas de ensino. As iniciativas para resolver o problema devem começar pela elaboração de um projeto de lei que transforme a educação financeira em disciplina a partir dos anos iniciais do ensino fundamental. Além disso, o ensino da disciplina não pode estar dissociado da prática social, proporcionando que os problemas financeiros da comunidade possam ser abordados na escola. E, para que a lei não fique no papel, como várias outras em nosso país, a comunidade escolar deve se manter organizada e atuante, exigindo um amplo processo de formação dos professores e outros atores educacionais. Com essa perspectiva, lidar com finanças não representará um jogo ardiloso e de trágicas consequências. Logo: é preciso aprender educação financeira para sobreviver aos jogos mortais do capitalismo.

Um comentário:

Anônimo disse...

Linda redação,professor. Eu amei!:)