Em outubro passado, a Netflix anunciou que a série Round 6,
lançada menos de um mês antes, já tinha sido vista por “111 milhões de lares”,
tornando-se, assim “a maior série de todos os tempos”. Round 6 conta a
história de um grupo de pessoas com problemas financeiros que aceitam disputar
um jogo, cujas regras não conhecem, e sobre o qual logo descobrem que apenas o
vencedor sairá vivo. O sucesso da série está associado, sem dúvida, à sua
qualidade cinematográfica. No entanto, como o próprio diretor reconhece, o
êxito mundial está relacionado à identificação dos espectadores com “a questão
da desigualdade social”. Um dos aspectos dessa desigualdade reflete-se no
endividamento crescente da população, situação retratada em Round 6 e
que, no Brasil, bateu recorde em 2021. Diante dessa realidade, é fundamental
garantir que a educação financeira seja efetivada no país, visando,
principalmente, proporcionar aos estudantes da rede pública e a suas famílias
conhecimentos que os protejam das falsas oportunidades inerentes ao sistema
capitalista.
Segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e
Turismo (CNC), o número de brasileiros endividados chegou a 74% em setembro de
2021, “o maior desde 2010”. De acordo com a CNC, “são 12 milhões de pessoas com
algum tipo de dívida, incluindo cheque pré-datado, cartão de crédito, cheque
especial, carnê de loja, crédito consignado, empréstimo pessoal ou prestação de
carro e de casa”. Essa situação se agrava entre os mais pobres, devido ao fato
de que a maioria desconhece as regras do mercado financeiro, ficando, assim, a mercê
de propostas aparentemente atrativas, mas cuja intenção é mantê-los
condicionados a um sistema de dívidas
que proporciona lucros exorbitantes aos donos do capital. Assim,
enquanto milhões de famílias sofrem com dívidas e todas as tensões e conflitos
familiares e sociais que delas resultam, os quatro grandes bancos brasileiros
(Bradesco, Itaú, Banco do Brasil e Santander) atingiram o maior lucro
trimestral da história, chegando a R$ 23,1 bilhões, conforme relatório
divulgado em agosto pela Economática, empresa que provê informações
financeiras. Esses dados evidenciam a necessidade de uma sólida educação
financeira para os brasileiros, prioritariamente entre os de menor renda e que
frequentam a rede pública de ensino, para entender o perde-e-ganha desse “jogo”
estabelecido pelo capitalismo e, principalmente: quem são os que mais perdem.
Em dezembro de 2010, o governo federal estabeleceu o Decreto 7397,
criando a Estratégia Nacional de Educação Financeira (ENEF). Apesar das
expectativas promissoras, onze anos depois, a iniciativa não foi implementada
nacionalmente. Pelo contrário: o governo atual anulou-a e baixou um novo
decreto, de junho de 2020, extinguindo, entre outras, três importantes
diretrizes do decreto anterior: a atuação permanente
e em âmbito nacional, a gratuidade das ações de educação financeira e a
prevalência do interesse público. A extinção dessas diretrizes revela a
inexistência, nos planos do atual governo, de uma educação financeira voltada
para a grande maioria dos estudantes. Apesar disso, informação disponibilizada
no site da ENEF mostra que houve um aumento do número de ações de
educação financeira nas escolas públicas: em 2013, as iniciativas ultrapassavam
pouco mais de 30%; em 2018, elas saltaram para 50%. Ademais, o site da ENEF
apresenta grande diversidade de material para alunos, professores e
interessados em geral, tais como livros,
artigos, vídeos e jogos.
A desigualdade social e de oportunidades e o endividamento individual
no Brasil requerem que a educação financeira seja tratada com prioridade em
todos os sistemas de ensino. As iniciativas para resolver o problema devem
começar pela elaboração de um projeto de lei que transforme a educação
financeira em disciplina a partir dos anos iniciais do ensino fundamental. Além
disso, o ensino da disciplina não pode estar dissociado da prática social,
proporcionando que os problemas financeiros da comunidade possam ser abordados
na escola. E, para que a lei não fique no papel, como várias outras em nosso
país, a comunidade escolar deve se manter organizada e atuante, exigindo um amplo
processo de formação dos professores e outros atores educacionais. Com essa
perspectiva, lidar com finanças não representará um jogo ardiloso e de trágicas consequências. Logo: é preciso aprender educação financeira para
sobreviver aos jogos mortais do capitalismo.
Um comentário:
Linda redação,professor. Eu amei!:)
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