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quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

Natal, 2021




Por que tanta gente com fome ainda

No natal de 2021?

Que a fraternidade seja bem vinda

Às mãos do homem e da mulher comum! 

 

Cadê o amor, onde está escondido?

O dinheiro sequestrou sua alma?

Onde, então, redescobrir o sentido

Desse mundo aflito, sem paz e sem calma?

 

Precisamos cultivar paz e amor,

Mas não no abstrato e no vazio:

Desnudar a hipocrisia e o desamor

 

Que escondem a decadência do sistema,

Desalienar o coração sombrio

Duma época fria, fazer um poema...

segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Somos todos africanos



Já faz dez anos que escrevi esse  reggae-poema...

 

Somos todos africanos

 

Somos todos africanos

Foi lá que tudo começou

Esqueça se seu pai é louro

Se era branco seu avô

Somos todos africanos

Somos todos africanos


Somos todos africanos

Por isso abaixo a arrogância

É na África que está

A nossa origem, nossa infância

Somos todos africanos

Somos todos africanos


Chega de desprezo

Entre os seres humanos

Não importa a pele, o pelo

Pois somos todos africanos

Somos todos africanos

Somos todos africanos


Ninguém é melhor

Ninguém é superior

Somos feitos da mesma matéria

E todos sonhamos com o amor

Somos todos africanos

Somos todos africanos


Somos todos africanos

Passageiros do mesmo planeta

Uma gota no oceano

Portanto, não seja babaca ou fascista

Somos todos africanos

Somos todos africanos


Somos todos africanos

Somos todos africanos

sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Estava um dia quente e abafado



Estava um dia quente e abafado.

Minha camisa pregada no corpo, meu corpo pregado na bike.

Era a quarta entrega, já passava de meio-dia, e eu, brocado, derretendo, tremendo de fome.

Puta ironia: entregando os bandecos pela cidade e eu nem um copo d’água tinha bebido desde as primeiras horas do dia.

Sentei na pracinha, tinha uma escola perto, alguns sorrisos escapavam dos uniformes.

Vi o carrinho de sorvete e chamei o homem. Comprei um sorvete de coco. Foram dois meses, digo, minutos, no paraíso...

Enquanto eu corria pela cidade, derretendo em cima da bike, o celular tinha tocado umas dez vezes.

Eu, derretendo, e o celular se desmanchando. Quando vou poder comprar um novo? Só deus sabe.

Três ligações do meu irmão, oito de minha mãe. Retornei pra ela.

Ave Maria, meu filho, atende esse celular!

E eu tive tempo? Mas que urgência é essa, dona?

Menino, tu passou no Enem!

Que que a senhora tá dizendo?

Tu passou, criatura! Tá aqui na internet.

Minha fala derreteu por alguns segundos... Mamãe ficou apreensiva.

Francisco, tá me ouvindo? Alô? Alô?

Tô, tô ouvindo, tô ouvindo muito bem. E vou já praí. Só a senhora mermo pra me dar tanta notícia boa! Beijão, chego já aí.

Beijos, meu filho, e parabéns!

Brigadu!!

Eu continuava derretendo, mas a vontade que deu foi de pagar sorvete pra toda aquela galera que ia passando pra escola...

Mas, tinha que encarar a realidade: não tinha grana suficiente pra um gesto tão grandioso...

O mais importante era me manter em estado sólido e me matricular na universidade.

E, como vocês estão me lendo agora, já devem ter deduzido que, apesar do calor que fez naquele dia, inesquecível por vários motivos, o estado da minha matéria continuou inalterado. Quanto ao meu estado de espírito, faz sol com temperatura amena... 

quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Aprender educação financeira: para sobreviver aos jogos mortais do capitalismo



Em outubro passado, a Netflix anunciou que a série Round 6, lançada menos de um mês antes, já tinha sido vista por “111 milhões de lares”, tornando-se, assim “a maior série de todos os tempos”. Round 6 conta a história de um grupo de pessoas com problemas financeiros que aceitam disputar um jogo, cujas regras não conhecem, e sobre o qual logo descobrem que apenas o vencedor sairá vivo. O sucesso da série está associado, sem dúvida, à sua qualidade cinematográfica. No entanto, como o próprio diretor reconhece, o êxito mundial está relacionado à identificação dos espectadores com “a questão da desigualdade social”. Um dos aspectos dessa desigualdade reflete-se no endividamento crescente da população, situação retratada em Round 6 e que, no Brasil, bateu recorde em 2021. Diante dessa realidade, é fundamental garantir que a educação financeira seja efetivada no país, visando, principalmente, proporcionar aos estudantes da rede pública e a suas famílias conhecimentos que os protejam das falsas oportunidades inerentes ao sistema capitalista.

Segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o número de brasileiros endividados chegou a 74% em setembro de 2021, “o maior desde 2010”. De acordo com a CNC, “são 12 milhões de pessoas com algum tipo de dívida, incluindo cheque pré-datado, cartão de crédito, cheque especial, carnê de loja, crédito consignado, empréstimo pessoal ou prestação de carro e de casa”. Essa situação se agrava entre os mais pobres, devido ao fato de que a maioria desconhece as regras do mercado financeiro, ficando, assim, a mercê de propostas aparentemente atrativas, mas cuja intenção é mantê-los condicionados a um sistema de dívidas  que proporciona lucros exorbitantes aos donos do capital. Assim, enquanto milhões de famílias sofrem com dívidas e todas as tensões e conflitos familiares e sociais que delas resultam, os quatro grandes bancos brasileiros (Bradesco, Itaú, Banco do Brasil e Santander) atingiram o maior lucro trimestral da história, chegando a R$ 23,1 bilhões, conforme relatório divulgado em agosto pela Economática, empresa que provê informações financeiras. Esses dados evidenciam a necessidade de uma sólida educação financeira para os brasileiros, prioritariamente entre os de menor renda e que frequentam a rede pública de ensino, para entender o perde-e-ganha desse “jogo” estabelecido pelo capitalismo e, principalmente: quem são os que mais perdem. 

Em dezembro de 2010, o governo federal estabeleceu o Decreto 7397, criando a Estratégia Nacional de Educação Financeira (ENEF). Apesar das expectativas promissoras, onze anos depois, a iniciativa não foi implementada nacionalmente. Pelo contrário: o governo atual anulou-a e baixou um novo decreto, de junho de 2020, extinguindo, entre outras, três importantes diretrizes do decreto anterior: a atuação permanente e em âmbito nacional, a gratuidade das ações de educação financeira e a prevalência do interesse público. A extinção dessas diretrizes revela a inexistência, nos planos do atual governo, de uma educação financeira voltada para a grande maioria dos estudantes. Apesar disso, informação disponibilizada no site da ENEF mostra que houve um aumento do número de ações de educação financeira nas escolas públicas: em 2013, as iniciativas ultrapassavam pouco mais de 30%; em 2018, elas saltaram para 50%. Ademais, o site da ENEF apresenta grande diversidade de material para alunos, professores e interessados em geral, tais como  livros, artigos, vídeos e jogos.

A desigualdade social e de oportunidades e o endividamento individual no Brasil requerem que a educação financeira seja tratada com prioridade em todos os sistemas de ensino. As iniciativas para resolver o problema devem começar pela elaboração de um projeto de lei que transforme a educação financeira em disciplina a partir dos anos iniciais do ensino fundamental. Além disso, o ensino da disciplina não pode estar dissociado da prática social, proporcionando que os problemas financeiros da comunidade possam ser abordados na escola. E, para que a lei não fique no papel, como várias outras em nosso país, a comunidade escolar deve se manter organizada e atuante, exigindo um amplo processo de formação dos professores e outros atores educacionais. Com essa perspectiva, lidar com finanças não representará um jogo ardiloso e de trágicas consequências. Logo: é preciso aprender educação financeira para sobreviver aos jogos mortais do capitalismo.

quarta-feira, 3 de março de 2021

Rua da Tira (da série “Anedotas (sur)reais”)



Milhões de anos atrás, numa galáxia muito distante, o prefeito duma cidadezinha autorizou o asfaltamento de uma rua que se encontrava há muito tempo necessitada desse benefício.

Mas, ao realizar o serviço, apenas um lado da rua foi asfaltado. O prefeito, que disputava a reeleição, condicionou a realização completa da obra à sua vitória nas urnas. Ou seja, os moradores da rua deveriam votar no prefeito para que a rua fosse completamente asfaltada.

Mas a chantagem não funcionou. O prefeito não foi reeleito.

E a rua, batizada originalmente com o bonito nome de um animalzinho da fauna local, depois daquele estirão de asfalto ocupando apenas um lado, foi, então, rebatizada, pela voz do povo, como “Rua da Tira”, nome que despertava a curiosidade dos viajantes intergalácticos que porventura visitassem o lugar.

terça-feira, 2 de março de 2021

A literatura e o direito ao sonho



“Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá, / as aves que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá.”

“E agora, José? / A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou. / E agora, José?”

“Deus, senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus, / se eu deliro ou se é verdade, tanto horror perante os céus?”

“Quando certa manhã Gregor Samsa despertou, depois de uma noite mal dormida, achou-se, em sua cama, transformado num monstruoso inseto.”

“Valeu a pena? Tudo vale a pena, se a alma não é pequena.”

As citações que abrem esse texto são conhecidos trechos de obras-primas da literatura universal.

O primeiro é da Canção do exílio, em que o poeta Gonçalves Dias fala da saudade da sua terra natal, das palmeiras e dos sabiás da sua infância. São versos simples, diretos, que deixam uma musiquinha em nossa cabeça e uma saudade sabe-se-lá-de-quê.

No segundo trecho, Carlos Drummond de Andrade criou uma expressão que logo se incorporou à nossa cultura. A frase “E agora, José?” escrita pelo poeta enquanto acompanhava, perplexo, a 2ª Guerra Mundial, é, desde então, pergunta comum que os brasileiros se fazem diante de tantas outras perplexidades, como nesse momento, por exemplo, em que o país perdeu mais de 250 mil vidas para a Covid19 enquanto o insensível presidente trata a doença como uma gripezinha, combate o uso da máscara e promove aglomerações. E agora, José?

No terceiro trecho, Castro Alves ousa olhar para os céus e chamar Deus à atenção: como é possível, Deus, que se permita o horror da escravidão?

No quarto trecho, temos a abertura da obra-prima “A metamorfose”, em que Franz Kafka narra os tormentos do jovem Gregor, que depois de acordar transformado numa barata, vive a decepção de ser rejeitado pela família, numa metáfora de muita força e atualidade.

E, por último, o poeta Fernando Pessoa. “Tudo vale a pena, se a alma não é pequena.” Com essa breve, porém profunda mensagem do poeta dos heterônimos, recomendo: fechem o livro de autoajuda e vamos ler poesia.

Vamos ler literatura.

Todas as obras das quais eu retirei os trechos acima, repito, são obras literárias.

Para se realizarem como humanos plenos, todas as pessoas precisam da literatura.

Antonio Candido, um dos nossos maiores críticos literários, diz que a literatura “é o sonho acordado das civilizações”.

E diz mais:

“Assim como não é possível haver equilíbrio sem sonho durante o sono, talvez não haja equilíbrio social sem a literatura.”

Excelente comparação: a lógica do capitalismo é impor jornadas extenuantes de trabalho, que nos roubam muitas horas do sono, em que, durante os nossos sonhos, escrevemos enredos geniais, embora em geral não compreendidos, ou às vezes sequer lembrados. Todas as noites escrevemos uma página, para nós mesmos, do grande livro da nossa vida. Mas, se dormimos mal, mal escrevemos e pior lemos. Os sonhos dizem quem somos e nos escrevem mirabolantes check-lists de como viver melhor. Mas estamos tão ocupados em tentar viver, que sequer temos olhos para ler o grande romance da nossa vida.

Por outro lado, sem a leitura de poemas, crônicas, contos, novelas, textos teatrais, graphic novels e romances, deixamos também de sonhar acordados e perdemos a oportunidade de nos conhecer melhor.

Sem a leitura literária, ficamos sem reconhecer a vastidão da vida. Do mundo, mundo, vasto mundo. Ficamos presos a uma rotina asfixiante. Alienados da nossa essência humana.

Por isso que os fascistas queimam livros, por isso que odeiam a literatura: porque a linguagem literária e a fabulação podem nos tornar seres humanos mais plenos, bem como nos permitem ser vastos e diversos e ver os outros como tão familiares em suas diferenças. Em sua amplitude de vozes e significados, a literatura é o oposto do fascismo, que quer indivíduos imbecilizados, incapazes de voz própria. O fascismo quer robôs imbecilizados, sempre prontos a dizer “sim, senhor” e aceitar a violência como natural. Os fascistas querem uma sociedade de zumbis obedientes; a literatura nos incita a um mundo de livres sonhadores. 

Portanto, a literatura é essencial. Precisamos ler, principalmente os clássicos, que, segundo Ítalo Calvino, são aqueles “livros que, quanto mais pensamos conhecer por ouvir dizer, quando são lidos de fato mais se revelam novos, inesperados, inéditos”.

O direito à literatura, e, consequentemente, ao sonho, é essencial – e dele não podemos abrir mão.

Ler é ir ao fundo do mar de cada um, até onde normalmente não chega a luz e nem se escuta uma voz: é a literatura quem faz isso por nós: ilumina as águas profundas da alma em sua superfície de espelhos...


Imagem de uso livre, disponível em pixabay.com.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Um loop que a ficção não imaginou

 


Um filme que gosto muito, hoje um clássico da comédia, é “Feitiço do tempo”. Nele, um personagem, interpretado por Bill Murray, acorda a cada manhã e descobre que está vivendo o mesmo dia da véspera. As mesmas situações se repetem após cada despertar. Ele está no que parece ser um eterno loop temporal.

Eu, como muitos, cheguei por um momento a imaginar que teríamos um 2021 diferente, com a covid19 sob controle e a vida de volta à normalidade.

Mas, ainda no final de 2020, comecei a duvidar do meu otimismo, ao analisar o cenário político brasileiro e mundial. E eis que a gente entra em 2021 com a mesma sensação de que tudo está se repetindo. Vivemos um loop... Um loop que a ficção não imaginou.

Apesar da tragédia mundial que é a covid19, alguns políticos trataram a pandemia com descaso e negligência. Agindo com a visão capitalista de que o lucro é mais importante que a vida, presidentes como Trump e Bolsonaro desprezaram a ciência e tentaram impor à sociedade uma impossível normalidade. Ambos foram derrotados pela realidade, mas jamais se mostraram sensíveis à tragédia: meio milhão de pessoas morreram de covid19 nos Estados Unidos e no Brasil estamos chegando aos 250 mil mortos. Não por coincidência, os dois países, em primeiro e segundo lugar, respectivamente, em número de óbitos por covid19 no mundo.

A divulgação de fakes, a desinformação, características comuns a Trump e Bolsonaro e a seus seguidores, tiveram e têm um papel crucial no aumento da covid19. Divergir das medidas de isolamento, repudiar o uso da máscara, utilizar medicamentos ineficazes, como a cloroquina e espalhar mentiras sobre o perigo das vacinas, são atitudes anticientíficas que têm contribuído para a persistência da pandemia.

É deprimente, principalmente, ver pessoas pobres alardeando essa desinformação, até porque o maior número de vítimas está entre os pobres. Segundo o jornal The Guardian, em seis meses de pandemia, a expectativa de vida dos norte-americanos reduziu-se em um ano, mas, para os afro-americanos, o impacto foi três vezes mais severo.

No final de janeiro, a prefeitura de São Luís divulgou o número de casos e óbitos de covid19 por bairro, na capital do Maranhão. Renascença, por exemplo, o bairro-símbolo da burguesia ludovicense, registrou, até o final de janeiro, 324 casos e 17 óbitos (5% dos casos). Já o bairro Cidade Operária, com bem menos casos (248), perdeu 52 vidas para a covid19 (21% dos casos!).

Ou seja, esses números mostraram que a covid19 pode até ser “democrática” ao atingir pobres e ricos, mas não é nada “democrática” quando “escolhe” quem vive e quem morre.

Então, depois de tudo o que já passamos em 2020, leio a notícia de que há mais de trinta dias o Brasil está com uma média móvel de mil mortes diárias. Pior: Miguel Nicolelis, um dos mais conceituados cientistas brasileiros, declarou hoje que o Brasil é “o maior laboratório a céu aberto onde se pode observar a dinâmica natural do coronavírus sem qualquer medida eficaz de contenção”.

Os loops temporais da ficção proporcionam aos personagens a possibilidade de ir aprendendo, consertando suas falhas e intervindo positivamente nas situações, depois de tanto vivê-las repetidamente.

Assim, no loop que ora vivenciamos, poderíamos, então, dizer que hoje estamos mais maduros para lidar com a pandemia, isolamento, solidão e as barreiras da nossa psique? Mas quem garante isso?

Quem garante que um ano de pandemia deu às pessoas um diploma de especialização em covid19, pandemias em geral e neuras correlatas?

É possível falar assim de “pessoas”, de uma maneira genérica e abstrata? Sei que não é fácil ser um dos 14 milhões de desempregados brasileiros, enfrentar o loop da pandemia e ainda concordar com os conselhos da apresentadora de TV, de que, para o nosso bem, precisamos controlar melhor nossas emoções...

O ano letivo de 2021 no Maranhão está começando. Com a mesma sensação de deja vu. E a mesma vontade de estar perto, do olho no olho, da aula ecoada, discutida, construída democraticamente no espaço escolar; ou vivida, convivida, experienciada no espaço comunitário.

Só saudades, no momento.

Enquanto a vacina não chega para alunos, professores e demais trabalhadores da educação, nossa tarefa é combater a desinformação e os governos servis ao mercado: ambos deseducam, favorecem ricos e assassinam pobres.


A Monalisa de máscara é uma imagem de uso livre, disponível em: https://pixabay.com/pt/illustrations/monalisa-mona-lisa-m%C3%A1scara-pintura-4893660/