A partir do Tema do Enem 2018, escrevi essa dissertação argumentativa:
A teia invisível da manipulação
A teia invisível da manipulação
Gilcênio Vieira Souza
Viagens no tempo e no espaço, teletransporte, contatos com alienígenas e
outras imaginativas antecipações futurísticas sempre foram temas recorrentes na
ficção cientifica, seja no cinema ou na literatura. No entanto, imaginações tão
férteis não previram uma invenção, mais simples, que mudaria o mundo: a
internet. A comunicação instantânea, a possibilidade de armazenamento de dados em
“nuvens”, a criação de redes virtuais de relacionamento (redes sociais), constituem
uma realidade que tem exercido influência decisiva em muitas áreas, tais como política,
economia e, principalmente, comportamento.
No entanto, uma constatação tem questionado a nossa capacidade de autonomia
em relação ao uso da internet: analistas observaram que grande parte das nossas
decisões são pré-direcionadas a partir dos nossos “movimentos” na web. Dados são
rastreados e interpretados: o resultado vem em forma de produtos, serviços e
posturas comportamentais, que contam com grande chance de adesão por parte do cidadão
comum, pois são fruto de uma manipulação dificilmente verificável. Isso explica,
por exemplo, o fato de que quando você assiste a um filme na Netflix, surge
imediatamente uma lista com outros filmes que você supostamente assistiria. Explica
também seus “likes” no Facebook, que “atraem” páginas e postagens similares as
que você curtiu.
Contudo, a dimensão do poder político desse tipo de controle do
comportamento só pôde ser realmente analisada, no Brasil, a partir do resultado
da eleição presidencial de 2018. Reportagem da Folha de São Paulo revelou um
esquema de compra de disparos em massa de mensagens antipetistas na rede social
WhatsApp, que favoreceu o candidato eleito Jair Bolsonaro. A maioria das
mensagens era constituída de fake News, selecionadas e disparadas com base em perfis
previamente definidos. Segundo a matéria, as listas permitiam a segmentação dos
usuários por região, gênero, idade e renda. Dessa forma, a recente eleição presidencial
no Brasil revelou um tipo extremo de manipulação do comportamento que põe em
xeque o conceito tradicional de democracia, uma vez que fica demonstrada quão ilusória
é a suposta liberdade de escolha do eleitor.
Diante dessa realidade, deve-se
procurar acionar a justiça, a fim de punir fraudes, abusos, a produção e a divulgação
de fake News e todo e qualquer ato passível de punição que tenha relação com a manipulação
do comportamento. Por outro lado, diante da evidência de que há fortes
interesses econômicos por trás da fabricação desse tipo de manipulação, os cidadãos
não podem confiar plenamente que a justiça seja feita. Devem, assim, organizar grupos autônomos de checagem de dados, fontes e informações, a
fim de detectar e desvelar a manipulação a que estamos sujeitos. Que é também desvelar
o óbvio: pelo seu caráter de teia, a web metaforizava em si a armadilha de que
se constitui.
2 comentários:
Ótimo texto, professor Gilcênio.
Obrigado, Alex.
Postar um comentário