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quinta-feira, 8 de novembro de 2018

A teia invisível da manipulação

A partir do Tema do Enem 2018, escrevi essa dissertação argumentativa:

A teia invisível da manipulação
Gilcênio Vieira Souza


Viagens no tempo e no espaço, teletransporte, contatos com alienígenas e outras imaginativas antecipações futurísticas sempre foram temas recorrentes na ficção cientifica, seja no cinema ou na literatura. No entanto, imaginações tão férteis não previram uma invenção, mais simples, que mudaria o mundo: a internet. A comunicação instantânea, a possibilidade de armazenamento de dados em “nuvens”, a criação de redes virtuais de relacionamento (redes sociais), constituem uma realidade que tem exercido influência decisiva em muitas áreas, tais como política, economia e, principalmente, comportamento.
No entanto, uma constatação tem questionado a nossa capacidade de autonomia em relação ao uso da internet: analistas observaram que grande parte das nossas decisões são pré-direcionadas a partir dos nossos “movimentos” na web. Dados são rastreados e interpretados: o resultado vem em forma de produtos, serviços e posturas comportamentais, que contam com grande chance de adesão por parte do cidadão comum, pois são fruto de uma manipulação dificilmente verificável. Isso explica, por exemplo, o fato de que quando você assiste a um filme na Netflix, surge imediatamente uma lista com outros filmes que você supostamente assistiria. Explica também seus “likes” no Facebook, que “atraem” páginas e postagens similares as que você curtiu.
Contudo, a dimensão do poder político desse tipo de controle do comportamento só pôde ser realmente analisada, no Brasil, a partir do resultado da eleição presidencial de 2018. Reportagem da Folha de São Paulo revelou um esquema de compra de disparos em massa de mensagens antipetistas na rede social WhatsApp, que favoreceu o candidato eleito Jair Bolsonaro. A maioria das mensagens era constituída de fake News, selecionadas e disparadas com base em perfis previamente definidos. Segundo a matéria, as listas permitiam a segmentação dos usuários por região, gênero, idade e renda. Dessa forma, a recente eleição presidencial no Brasil revelou um tipo extremo de manipulação do comportamento que põe em xeque o conceito tradicional de democracia, uma vez que fica demonstrada quão ilusória é a suposta liberdade de escolha do eleitor.
Diante dessa realidade, deve-se procurar acionar a justiça, a fim de punir fraudes, abusos, a produção e a divulgação de fake News e todo e qualquer ato passível de punição que tenha relação com a manipulação do comportamento. Por outro lado, diante da evidência de que há fortes interesses econômicos por trás da fabricação desse tipo de manipulação, os cidadãos não podem confiar plenamente que a justiça seja feita. Devem, assim, organizar grupos autônomos de checagem de dados, fontes e informações, a fim de detectar e desvelar a manipulação a que estamos sujeitos. Que é também desvelar o óbvio: pelo seu caráter de teia, a web metaforizava em si a armadilha de que se constitui.