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quinta-feira, 30 de abril de 2020

Janelas, ainda



Ontem foi dia de rever um clássico: “Janela indiscreta”, de Hitchcock. O fotógrafo com a perna engessada, sentado o dia todo, observando da sua janela a vida da vizinhança, até que supõe ter ocorrido um assassinato num dos apartamentos do outro lado. Bem apropriado para o momento. 
As janelas eram (ainda são?) a película que aproximava casa e sociedade. Num tempo em que as janelas podiam ser abertas. No ano passado, visitando minha cidade natal, Juazeiro do Norte, fiquei abismado com a quantidade de casas com grades nas janelas. Se tem grades, já não são mais janelas. 
Na minha infância, não se viam engradados nas casas. As janelas eram realmente janelas. Serviam para a interação, para o contato humano. Lembrei de algumas letras do Chico:
“O tempo passou na janela e só Carolina não viu.”
“Como essa moça é descuidada, com a janela escancarada.”
Ou, aqueloutra, mais famosa: 
“A moça feia debruçou na janela, pensando que a banda tocava pra ela” (que deixou o Chico tão de saco cheio, que ele fez a mala e correu, para não ver a banda passar).
Houve um tempo em que as janelas facilitavam o encontro amoroso. Era engraçado: a moça na janela sorria para o rapaz que passava, e este chegava em casa flutuando: “Acho que estou amando!”. Lembram do Álvares de Azevedo? 
“Eu a vi... minha fada aérea e pura —
a minha lavadeira na janela”. 
Irônico, sem deixar de ser romântico. 
Cena bem comum, pelo interior do Brasil, num tempo não tão distante: pessoas amontoadas por fora de uma janela, olhando para dentro da casa, e tanto os de dentro como os de fora, hipnotizados pela televisão. Sim, a televisão, nosso primeiro black mirror. Ou seja, de uma janela, que dava para o seu mundo real, você olhava para outra janela, que dava para um mundo ficcional, fossem as novelas, fosse o Jornal Nacional, escondendo os crimes da ditadura e fazendo crer que vivíamos num país abençoado por Deus. 
Os que não tinham dinheiro para adquirir uma televisão, iam assistir, pela janela, na televisão do vizinho. Os mais solidários, convidavam para entrar. Os mais ranzinzas às vezes fechavam a janela na cara de uns menininhos buchudos e remelentos, que só queriam se divertir, vendo desenho animado ou saber como terminaria o filme emocionante da sessão da tarde... 
Nos dias atuais e principalmente nesse Brasil de ignorância e trevas, as janelas têm servido para protestar contra o governo fascista e o seu descaso no combate ao coronavírus: são os panelaços. 
Quanto às janelas virtuais, as lives têm nos distraído do medo e da dor causados pela pandemia. Inclusive, o 1º de maio deste ano, amanhã, organizado pela Central Única dos Trabalhadores, será uma grande live que unirá artistas e políticos. 
Então, combinemos mais uma vez, as janelas podem, sim, propiciar uma conexão real e bem sucedida: só precisam ser abertas para as pessoas certas.


Imagem de domínio público, disponível em www.pixabay.com.

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