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sábado, 18 de abril de 2020

Distintos pesadelos


Foi uma seca braba. A colheita se perdeu. As crianças tiveram sarampo. Existiam muitas doenças, nessa época. Meu avô perdeu dois dos seus quatro irmãos, pois não havia médico nem hospital perto de onde eles moravam.
Outro irmão dele foi embora e até hoje ninguém sabe pra onde. Meu avô conta que tinha inveja quando via algum menino com livro e caderno debaixo do braço, indo pra escola. Meu avô não podia estudar, pois tinha que ajudar os pais na roça. Escola era difícil naquela época.
Essas coisas ele me contou ontem, quando fomos visitá-lo no interior. É o seu aniversário. Com a vida que levou, acho o meu avô um homem de sorte, por ter chegado aos 88 anos, que completou neste domingo. Mesmo tendo passado por tanta coisa difícil, ele e a vovó sempre deram muito amor e carinho para nós todos.
Junto com a gente – meu pai, minha mãe, meu irmão, minha irmã e eu – veio também um amigo meu, o Paulo César. 
Ontem, eu e César fomos caçar calangos, de baladeira. Hoje ele acordou assustado, contando um pesadelo que teve, em que era devorado por um crocodilo gigante. Explicou que tinha assistido um filme assim, uma vez.
Tentou ligar para casa, mas não tinha sinal. Me disse que estava contando os minutos para chegar logo a segunda-feira e ir embora.
- Cara, tu não tá sentindo falta da internet?
- Mais ou menos – respondi.
- Cara, aposto que tem um monte de coisa pra gente curtir no facebook!
Pensei na vida difícil do meu avô, mas que também era triste saber que meu amigo só conseguia curtir a vida se estivesse com um mouse na mão. Tão triste como brincar de caçar calangos e ter pesadelos com crocodilos.

Do livro “Histórias exemplares: para levar no bolso”, 2015.
Imagem de domínio público, disponível no site pixabay.com

Um comentário:

Unknown disse...

Parabéns, Amor.
Realidade dura.
Annes