Pesquisar este blog

segunda-feira, 6 de abril de 2020

Avó & netinha



Avó: 54 anos. Netinha: 4 aninhos. 
A avó catava feijão na mesa, a netinha brincava no chão, pertinho, com vários animaizinhos de plástico: um leão, uma girafa, um rinoceronte, um elefante e um hipopótamo. 
A avó separava as escolhas do feijão: principalmente pedras e feijões imprestáveis. Enquanto isso, ouvia a conversa entre os animais: o elefante pedia que o leão não mordesse mais as pessoas, se não, ia dizer ao rinoceronte. 
“Promete que vai ser bonzinho?”, perguntava ao leão o paciente elefante. 
“Prometo”, respondeu o leão.
“Vó, a senhora tinha leão quando a senhora era criança?”
“Tinha!”
“Tinha rinoceronte?”
A avó olhou para o animalzinho na mão da netinha, como para se certificar de como era realmente um rinoceronte. 
“Tinha!”
Os animais retomaram o diálogo. Na cabeça da avó, a verdade: não conseguia lembrar de ter possuído qualquer brinquedo. Lembrava de, ainda menina, ter começado a trabalhar como empregada doméstica. 
Mas, se pegava algum brinquedo da filha da patroa, que era só um pouco mais nova que ela, a patroa imediatamente ordenava que ela soltasse o objeto e fosse se ocupar com outro afazer. 
Era rigorosamente proibido ficar um segundo sequer sem fazer nada! Ficar com a vassoura nas mãos, parada diante da televisão, por exemplo, nem pensar! 
Catar feijão. Uma das recordações que mais lhe doía era aquela. Catava feijão, descontraidamente, quando, do nada, a patroa chega, por trás, e lhe dá um tabefe tão forte que a derruba da cadeira. Assustada, soluçando, logo fica sabendo qual tinha sido seu crime: a patroa a acusava de desperdiçar feijões. 
Segundo a megera, deviam ir para a panela todos aqueles feijões que tinham sido catados com destino ao lixo, pois eram feijões bons. 
A avó acorda com a mordida do leão e com a recriminação do elefante:
“Você prometeu que não ia morder minha vó, leão!”
Ao olhar para cima, a netinha percebeu lágrimas no rosto da avó. 
“Vó, a senhora tá chorando por causa da dentada que o leão deu, né?”
“É”, respondeu a avó com a voz entrecortada, enquanto afagava os cabelos da netinha e a agradecia sorrindo, por a ter despertado do pesadelo de há pouco.



Imagens de domínio público, disponíveis em www.pixabay.com/pt. 


Nenhum comentário: