Pesquisar este blog

quarta-feira, 15 de abril de 2020

História de uma caixa


A aula já tinha começado quando aquela meninazinha entrou com a caixa. Ou seja: ela estava atrasada. Atraso provocado por aquela caixa. Ou melhor: pelo embelezamento da caixa. Era uma simples caixa de sapato, não muito nova. Pediu à mãe que deixasse a caixa "bem bonita".
- Que arrumação é essa? - perguntou a mãe.
- A tia que pediu - explicou a meninazinha.
A tia a que ela se referia não era a irmã de sua mãe ou a irmã do seu pai, era a sua professora, a Tia Cileide do 1° Ano do ciclo de alfabetização. E não adianta explicar para a meninazinha que professora não é tia, por mais bem fundamentados pedagogicamente que estejam os seus argumentos.
Se alguém falar da Tia Cileide na sua frente, essa meninazinha, que é tão educada, pode mandar pra lua sua boa educação. É que ela vive sob o encantamento da caixa "matemágica" que a Tia levou pra escola. Tem sido assim há um mês.
Na última aula a professora comentou que no próximo ano - vejam bem, no próximo ano - cada criança deveria pedir a mãe para decorar uma caixa de sapatos e ter, assim, sua própria caixa "matemágica".
Distraída, ansiosa, encantada com aquele objeto de cujo interior a professora retirava outros objetos (numéricos, coloridos, de formas diversas), a meninazinha não ouviu a expressão "próximo ano", mas "amanhã". Chegou em casa e falou pra mãe.
A mãe - uma mãe proletária, cheia de afazeres, portanto - não "otimizou" o seu tempo (que mania têm as mães de não otimizarem seu tempo!), deixando assim pra fazer a caixa meia hora antes de a filha ir pra escola.
Amanhã você leva - disse subitamente a mãe para a meninazinha.
- É pra hoje e eu só vou pra escola se a senhora "fazer".
- Ah meu Deus! - suplicou a mãe, aborrecida.
Aborrecida ou não, lá estava a mãe com a mão na massa. E o resultado final foi uma bonita caixa, irreconhecível como ex-caixa de sapato. Arrumou a filha e mandou-a pra escola:
- Vai-vai-vai que a aula já começou.
A escola ficava a três quarteirões dali.
A meninazinha chegou atrasada, os colegas estavam sentados, a professora, de costas, arrumava sua mesa para começar a aula.
Calada, a meninazinha tocou de leve a professora e entregou a caixa. Por alguns segundos, Tia Cileide tentou entender o que estava acontecendo; logo entendeu o equívoco da criança. A meninazinha sentou-se, a professora não teve a coragem de lhe dizer que aquela caixa não era necessária naquele dia. Quem seria louco de desfazer o encanto daquele momento mágico? Você seria?

Do livro "Bem vindos, imigrantes: e outros textos em poesia & prosa", 2015. 

Imagem do arquivo pessoal do autor. 

Um comentário:

Unknown disse...

Congratulations, Amor, Nem pensar em desfazer o encanto. Eu reservaria um tempinho para brincar de contar com todos(as) e os resultados das continhas, colocaria na caixinha dela.
Beijos, 💕
Annes.