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quinta-feira, 9 de abril de 2020

Rinoceronte branco


Quando ouvi meu nome sendo chamado para receber o prêmio de cientista do ano e vi as lágrimas no rosto de minha esposa, tanta coisa veio em minha mente, que tive que me controlar, para não chorar também, na hora da entrega do prêmio. 
Lembrei de minha mãe que, infelizmente, já se foi... Desde pequeninho, eu sempre dizia que queria ser biólogo. Não lembro, porém, como começou essa atração pela profissão. Lembro que, e acho que devia ter uns 9, 10 anos, vi um programa na TV sobre a ameaça de extinção dos rinocerontes brancos. 
Fiquei comovido com o trabalho dos biólogos que lutavam contra a extinção dos animais. 
Aí teve o triste dia em que meu tio Raimundo fez aquela velha pergunta que todos os adultos me faziam (penso que eles achavam engraçado aquela criança desinibida – e convicta – que eu era): o que eu ia ser quando crescesse. 
Quando respondi, pela centésima trigésima quarta vez, que ia ser biólogo, pois queria ajudar a salvar os rinocerontes brancos, meu tio revelou à queima-roupa, que o último rinoceronte branco que existia, tinha sido assassinado. 
Aquela notícia foi como uma porrada nos meus sonhos de menino. Para eu-criança, já não fazia mais sentido ser biólogo. Com raiva, quando me perguntavam se eu ainda pretendia ser biólogo, respondia com uma provocação: “Vou ser assassino, vou matar gente que mata animal.”
Estou certo, hoje, que minha mãe sofria muito com essa resposta. 
Cresci e chegou a hora de escolher a profissão. Qual foi a minha escolha? Biologia. Pois é. 
Fui lecionar. Depois de dois anos, abandonei a sala de aula, pois me cansei de dizer aos alunos que não tinha sentido ficar procurando respostas prontas na Internet, quando, em vez disso, podiam desafiar o cérebro, em busca da essência do questionamento: o significado íntimo das coisas. Alguns bocejavam, a maioria não entendia a poesia das minhas palavras. 
E, apesar de todas as contrárias evidências, não desisti do meu sonho de menino. 
Me pós-graduei em genética e biologia evolutiva. Me dediquei a estudos voltados para a viabilização da reprodução, em laboratório, de animais já extintos ou ameaçados de extinção. Na verdade, dei continuidade ao trabalho do senhor Raymond Azevedo, pesquisador luso-americano com quem tive a felicidade de trabalhar nos três anos que precederam seu falecimento. 
E, depois de sete anos de uma luta obstinada, conseguimos (eu e minha equipe: claro que não foi a ação de um cientista solitário, isso já ficou evidente, né?) recriar em laboratório o primeiro rinoceronte branco, quarenta e quatro anos depois de a espécie ter sido extinta. 
Esse o motivo do prêmio que acabo de receber. 
A quem dedico? Aos meus pais, hoje ausentes, principalmente à minha mãe. 
Mas dedico também ao meu tio... Meu desbocado – como dizia mamãe – desbocado tio Raimundo, que, sem que o saiba, cultivou no meu inconsciente o destemido insight de um dia ressuscitar o rinoceronte Sudan...


Imagem de domínio público, disponível em www.pixabay.com. 

2 comentários:

Unknown disse...

Congratulations, my dear husband.
A beautiful tale.
Kisses.❤️❤️

Gilcênio Vieira Souza disse...

Thanks. Kisses.