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sexta-feira, 24 de abril de 2020

A idade dos porquês


– Você sabe qual é a idade dos porquês?
– Não. Qual é?
– É a idade em que os filhos descobrem a filosofia... e os pais perdem a paciência.
Júnior estava nessa idade. Perigosa idade. O seu pai não imaginava que um pirralho de apenas quatro anos pudesse desconcertá-lo tanto, a ele, o pai, o maioral daquele lar, o grande sábio da família, fazendo perguntas aparentemente bobas.
– Painho, o que é bigode?
– Bigode? São uns cabelinhos que o homem tem no rosto.
– E a vovó é homem?
– Não. Sua vó é mulher.
– E por que a vovó tem bigode?
– Bom... é porque... não é bigode o que ela tem... são só uns cabelinhos...
– No rosto?
– É.
– E o senhor não disse que uns cabelinhos no rosto é bigode?
O pai não percebera a armadilha em que havia caído e decidiu abandonar o jogo.
– Agora meu filho vai brincar e deixa o papai trabalhar, tá bom?
Júnior sai em disparada, dirigindo um carrinho imaginário. O pai sentiu-se aliviado.
Cinco minutos depois, o infante Sócrates está de volta:
– Painho, porque a barriga da mamãe é grandona?
– A barriga da mamãe não é grandona, está grandona.
– E por quê?
– Porque ela está grávida.
– Por quê?
– Porque... porque... – e o pai procurava no ar as palavras adequadas - o porquê da mamãe estar grávida é que o papai plantou uma sementinha dentro dela e a sementinha foi crescendo, crescendo, e a barriga da mamãe também...
– O senhor plantou uma sementinha na barriga do tio João também?
O pai foi todo sorrisos com a lembrança dos 120 quilos do cunhado e com a brilhante dedução do pequeno.
– Não... O tio João engordou sem sementinha - o pai sorriu em silêncio e pensou em dizer que o tio João era gordo porque comia feito um porco. Mas evitou dar voz a esse pensamento, enxergando suas trágicas consequências.
E Júnior saiu em disparada.
Cinco minutos depois está de volta. Parado. Mudo.
Observando o pai concentrado em cálculos, pois era desses tantos pais que levam para o lar os afazeres profissionais. O pai finge não estar percebendo. Porém, antes que a curiosidade do pequeno interrompa mais uma vez suas ocupações, decide tomar uma atitude.
– Agora o filhinho deixa o papai trabalhar, não faz mais perguntas e vai brincar.
– Por quê?
A calma do pai foi para o espaço: seu tom de voz, mais alto mais o normal, denunciava isso.
– Porque papai tem muito trabalho pra fazer e você não para de fazer perguntas e está atrapalhando o papai!
– Por que o senhor não brinca comigo?
Comovido com a inesperada pergunta, o pai abrandou a ira.
– Agora papai não pode. Papai tem muito trabalho pra fazer. Você faz no lugar de papai?O pequeno só ouvia.
– Você quer trabalhar no meu lugar?
O filósofo precoce respondeu balançando a cabeça, dizendo não. Aí foi a vez do pai:
– Por quê?
– Porque o senhor fica muito nervoso quando trabalha.

Do livro "Pio XII: ficção & memória", 2019.

Imagem de domínio público, disponível em www.pixabay.com. 

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