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terça-feira, 14 de abril de 2020

A vaca e o coelho




Era uma vez uma vaca malhada. 
Era uma vez um coelho branco. 
Ela se chamava Maria Rita. Ele se chamava Pedro Henrique. 
Se conheceram na escola. Logo logo se tornaram amigos. 
Maria Rita se sentava na última carteira da primeira fila. 
Pedro Henrique se sentava na primeira carteira da última fila. 
Agilmente o coelho chegava na carteira da vaca. E perguntava como a amiga tinha passado o fim de semana, como estavam seus pais, qual era sua cor preferida, se ela tinha vontade de conhecer Marte e outras perguntas muito muito importantes.
A professora da turma era Dona Apolônia, uma capivara muito tranquila. Mesmo quando pedia que Pedro Henrique voltasse para sua carteira, o que era frequente, Dona Apolônia fazia isso com a voz calma.
– Você e a Maria Rita – deixem pra conversar na hora do recreio.
Na escola, Pedro Henrique era o único amigo de Maria Rita.
Os amigos do coelho viviam querendo saber por qual razão ele era tão amigo da vaca.
– Sei lá... Ela fala coisas engraçadas. 
Em casa, a mãe de Pedro Henrique também fazia perguntas ao filho:
– Você é amigo de uma vaca? Ainda por cima uma vaca malhada?
O coelho não entendia porque não podia ser amigo de uma vaca malhada.
A vaquinha morava atrás daquele morro verde que da estrada a gente vê. Tinha que caminhar muito para chegar na escola; quase sempre chegava cansada.
– Puxa, Maria Rita! – se compadecia da vaquinha, o coelho.
Na hora do recreio, Pedro Henrique contou à professora que várias pessoas estavam agora com a mania de perguntar sobre sua amizade com Maria Rita. Dona Apolônia fez uma cara de capivara preocupada e disse que se Pedro Henrique realmente se sentia bem com a amizade de Maria Rita, não devia ligar para o que as pessoas falavam.
– E a minha mãe?, perguntou o coelhinho.
– Vou conversar com ela, disse a professora.
Depois do recreio, Dona Apolônia falou para seus alunos sobre a importância da amizade.
– Essa aula é por nossa causa, sabia?, disse o coelho para a vaca.
– É? 
– É sim, reafirmou Pedro Henrique. – Eu amo a professora, disse o coelhinho com um sorriso dentuço.
No dia seguinte, Pedro Henrique passou a esperar Maria Rita no meio do caminho para irem juntos à escola. Conversavam sobre tudo.
– Sabe o que o gato disse pra gata?, perguntou Pedro Henrique.
– Não, respondeu Maria Rita.
– Miau miau.
E sorriram bastante.
– Agora é minha vez, disse Maria Rita. –  E o que foi que o pato falou pra pata?
– Quá Quá!, responderam juntos e dispararam numa forte e gostosa gargalhada.
E, ao longo do caminho para a escola foi assim: conversando as bobagens mais bobas e os assuntos mais sérios. Acompanharam romarias de formigas com folhas na cabeça e fugiram de abelhas.
– Nossa, você é muito inteligente. Eu gosto de ouvir você falar, disse Maria Rita, admirada com a explicação do coelho sobre a vida das abelhas.
– Você é muito especial para mim; você é legal demais, Pedro Henrique retribuiu o elogio da amiga.
– Olha o que eu aprendi, disse a vaquinha fazendo cara de sonhadora: "Rei nasce no trono, peixe nasce no mar, eu nasci na terra só para amar". Gostou?
– Achei bestinha, disse Pedro Henrique com toda a naturalidade do mundo.
– Olha essa aqui que eu sei: "O rato roeu a rede do rei de Roma". Legal?
– Não seria "a roupa"?, perguntou Maria Rita.
– A roupa ele roeu faz tempo!, respondeu o Coelho.
E caíram os dois no chão às gargalhadas.
Era uma linda amizade, e como toda linda amizade tinha um tanto de amor não declarado. Se bem que certa vez quase que um declara amor ao outro e vice-versa. Maria Rita escreveu no chão: "te amo". Sentado em frente a ela, Pedro Henrique também escreveu no chão: "nós dois, um amor eterno". Quando a vaca perguntou ao coelho o que ele tinha escrito, Pedro Henrique respondeu "nada" e apagou tudo. "E você?", perguntou o coelho. "Umas besteirinhas", respondeu a vaquinha, também apagando tudo. 
Demorou, mas todo mundo se acostumou com aquela linda amizade, até mesmo Simão, um macaco cabeçudo e linguarudo, campeão do torneio de esconde-esconde.
Vieram as férias e chegou o parque. Sempre em julho a cidade recebia o Parque de Diversões Nunes Freire, que pertencia a uma girafa muito simpática, Dona Rosalinda Nunes Freire. A bicharada se animou. Pedro Henrique convidou Maria Rita.
– Não sei se vou, disse a vaca.
– Vamos!, insistiu o coelho.
Maria Rita confessou que nunca tinha ido a um parque, por não ter amigos com quem pudesse ir. E sua mãe, uma vaca muuuuito cuidadosa, não permitia que a filha saísse sozinha.
– Nunca?
– Nunquinha.
Pedro Henrique ficou triste com o que ouviu e levou sua tristeza pelo caminho. Aí se encontrou com Simão, o macaco, que perguntou:
– Que tristeza é essa, meu amigo?
O coelho falou sobre o parque, sobre Maria Rita não ter amigos e acusou Simão e os colegas de serem maus com a vaquinha.
– Puxa, essa doeu, respondeu Simão, fazendo biquinho de choro.
O macaco sugeriu reunir todos os colegas que quisessem ir ao parque e passar na casa de Maria Rita.
E assim fizeram. A mãe da vaquinha ficou muuuito admirada com toda aquela bicharada convidando sua filha para ir ao parque.
– Não sabia que você tinha tantos amigos, filhota, disse a mãe de Maria Rita.
–  Nem eu, mamãe, comentou Maria Rita, bem sincera. – Veja que vida louca, mamãe, até ontem aquele coelho ali, apontou para Pedro Henrique, – era meu único amigo. Agora tem um monte de bichos aqui no meu quintal olhando sorridentes para mim.
– A vida tem dessas coisas, disse Simão, o macaco. – Mas... Com muita sabedoria e muita serenidade, em nome de todos os bichos que aqui estão, eu peço desculpas pelo nosso comportamento desprezível de antes das férias.
O coelhinho se remexeu, pulou, e, por fim, disse que alguém tirasse uma foto daquele momento.
– Eu nunca tinha visto o Simão falando assim, usando palavras tão bonitas. 
E foram ao parque.
A vaquinha ficou encantada com as luzes do parque e com tantos brinquedos. Seu coração disparou quando foi no carrossel. Comeu algodão doce, teve medo da roda gigante. Que noite! Os novos amigos, junto com Pedro Henrique, claro, levaram Maria Rita para casa.
Só dois dias depois Simão foi procurar o coelhinho para lembrar os bons momentos da noite no parque. A mãe de Pedro Henrique disse que o coelho não estava em casa, tinha ido à casa de Maria Rita.
E lá se foi Simão à casa da vaquinha. 
Antes de dar a volta no morro, Simão ouviu as gargalhadas do coelho. Uma gargalhada, uma pausa, gargalhada, pausa, gargalhada, pausa. Contornou o morro, Simão se deparou com a vaca dando cambalhotas. A cada cambalhota, uma explosão de risos de Pedro Henrique, que rolava dentuçamente pelo chão.
Ninguém mais duvidava, ninguém mais se intrometia: entre o coelho e a vaca existia uma amizade muito linda.

Do livro "Bem vindos, imigrantes: e outros textos em poesia & prosa", 2015. 

Imagem de domínio público, disponível em www.pixabay.com. 

3 comentários:

Unknown disse...

Aaaah que amizade linda de Pedro Henrique e maria Rita.
Gostei muuuiitoo, parabéns prof❤

Gilcênio Vieira Souza disse...

Obrigado!

Unknown disse...

Um lindo conto. Muito linda a história dos dois.
Parabéns, meu Amor.
Muito sucesso!
Beijos. 💞
Annes.