Pesquisar este blog

segunda-feira, 20 de abril de 2020

História de um "erro"


Eu tinha acabado de sair da infância, mas ainda brincava de boneca (nessa época, as meninas ainda brincavam de boneca). Aí então ele apareceu e as coisas estranhas que eu passei a sentir por ele – dei o nome de amor.
Ele foi meu primeiro namorado; e eu, sua primeira namorada. Adorava quando ele sorria, sentia sinceridade em suas palavras. Era tão amável e encantador...
Nos encontrávamos lá em casa; detalhe: só depois que mamãe saía para o trabalho. Esse foi o nosso erro.
Quando eu falei “estou grávida”, ele disparou numa gargalhada. Meia hora depois (brincadeirinha: foram no máximo cinco minutos; mas, para mim aquela gargalhada incrédula durava uma eternidade) eu lhe contei os detalhes. Ele não disse mais nada e saiu.
E então, o que eu achava que era amor, apagou-se friamente. Não; ele não assumiu nosso filho. As desculpas: sua mãe não aceitava aquela situação, ele já estava com viagem marcada para Minas, bla bla bla, bla bla bla...
“Cachorro” foi a palavra mais educada que dirigi a ele...
Depois do nascimento do nosso filho, passei exclusivamente a me dedicar a ele, um bebê que nasceu como os pais sempre sonham: saudável e bonito.
Foram anos difíceis: uma criança cuidando de outra criança, diziam as pessoas. E, mesmo com a ajuda de minha mãe, de vez em quando ela me lembrava o “erro” que eu tinha cometido e eu sempre ficava calada.
Mas, um dia, quando de novo ela me passou na cara o meu “erro”, eu argumentei que ela, minha mãe, a pessoa de quem eu mais dependia e mais confiava, jamais tinha me ensinado nada sobre sexo, relações sexuais, e, principalmente, métodos anticoncepcionais. Ela reagiu de uma maneira tão dramática que vocês nem imaginam: que ninguém sabia o que ela tinha passado, que ninguém sabe o que é ser mãe, viúva (meu pai morreu quando eu tinha cinco anos) e ter 
que trabalhar pra não depender de ninguém etc. etc.
Claro que esse discurso terminou em choro. Tive que dizer em alto e bom som: “Ok! Já não está mais aqui quem falou!”.
Fui levando a vida, cuidando do meu filho e vez por outra ouvindo as pessoas comentarem entre si: “ela é uma menina triste, né?”.
Voltei aos estudos, amadureci e saí de Andirobal (na época, as empresas de ônibus ainda insistiam em chamar Pio XII de Andirobal). 
Fui pra São Luís morar com minha tia. Continuo morando na “ilha do amor”, mas, para mim, o amor ainda é um mistério. Contudo, isso não me impede de levar a vida com bom humor (dando um desconto, claro, para os dias de tpm e para aqueles em que a gente descobre que tem gente querendo sacanear com a gente).
Hoje mesmo, quando parei o carro na Litorânea, uma amiga me chamou e perguntou quem era o gato que estava comigo. E eu: “acabei de conhecer”. Para deixar minha amiga babando, fui até o carro e saí abraçada com o gato.
O gato me confidenciou no ouvido: “a senhora não tem jeito; quando é que vai parar com essas brincadeiras, hein mamãe?”.
Sorrimos juntos e fomos curtir a praia.

Do livro "Histórias exemplares: para levar no bolso", 2015. 

Imagem de domínio público, disponível em www.pixabay.com. 

Nenhum comentário: