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sexta-feira, 29 de março de 2024

Maranhensidades...

 




Apesar dos problemas socioeconômicos que o colocam como um dos estados mais pobres do país, o Maranhão se destaca positivamente em várias singularidades, principalmente relacionadas à sua gente e sua cultura. São exemplos disso (correndo os riscos inerentes a toda lista):

O primeiro grande poeta romântico brasileiro é o maranhense Gonçalves Dias, criador de alguns dos versos mais famosos da língua portuguesa: Minha terra tem palmeiras / onde canta o sabiá. / As aves que aqui gorjeiam / não gorjeiam como lá.

“Terra das palmeiras” se transformou, aliás, numa outra forma de se referir ao estado do Maranhão.

Lembrando ainda que Gonçalves Dias foi um dos nossos primeiros intelectuais a revelar uma sincera preocupação com o extermínio indígena, como se constata nessas suas palavras : “Em espaço de quarenta anos se mataram e se destruíram por estas costas e sertões mais de dois milhões de índios e mais de quinhentas povoações, como grandes cidades, e disto nunca se viu castigo.”

Ainda no campo da literatura – e, evidentemente correndo o risco de cometer inúmeras injustiças – destaco também a poesia singular de Sousândrade, que concebeu a história de um indígena sul-americano, o Guesa, cujas errâncias pelo mundo o fazem transitar até pela bolsa valores de Nova York, o “inferno de Wall Street”, tudo isso escrito em versos que ainda hoje soam muito à frente do seu tempo. Sousândrade foi quem concebeu a bandeira do Maranhão, mas quem se lembra dele hoje? Já em seus dias, em seus últimos dias, início do século XX (1902), Sousândrade morreu pobre, esquecido e, para alguns, com fama de louco.

Maria Firmina dos Reis é outra personalidade maranhense cuja importância histórica e literária torna-se cada vez mais evidente. Não é por menos: lançou-se no mundo das letras, campo minado predominantemente masculino; escreveu um livro, Úrsula, em que, apesar dos seus signos ultrarromânticos, representa, no âmbito do romance latino-americano, a primeira vez em que se narra o horror da escravidão do ponto de vista dos escravizados, principalmente pela voz da personagem mãe Suzana.

Firmina fez mais: ela, que também foi uma das primeiras concursadas do Maranhão, organizou, em Maçaricó, povoado da cidade de Guimarães, uma escola mista: meninos e meninas estudavam na mesma sala. E o que hoje pode parecer comum, era algo avançado para a época, de tal maneira que a experiência foi interrompida. Lamentavelmente, pois sabe-se já há algum tempo que essa “mistura” gera mais conhecimento, pois os estudantes aprendem também entre si e com a diversidade de experiências dos colegas.

No campo musical, já no século XX, temos mais uma vez a vitória do gênio sobre a adversidade: o cantor e compositor João do Vale. Menino pobre, negro e que pouco frequentou a escola, pois tinha que trabalhar vendendo laranjas, ou como peão de obras, ou em outros serviços extenuantes, João do Vale deixou o Maranhão, chegou ao Rio de Janeiro e conseguiu gravar algumas das canções que há tempos compunha. Entre essas, joias como Carcará, De Teresina a São Luís, Fogo no Paraná, Asa do vento, Pisa na fulô e várias outras; todas com o DNA do Maranhão (e do Brasil).

No âmbito da história do Maranhão, um recorte em que não cabem só heróis, mas em que até alguns vilões estão incluídos, por representarem também (negativamente) essa maranhensidade; como exemplos: Dona Ana Jansen e o senador Vitorino Freire. Ambos representam a violência do poder.

Ana Jansen entrou para a história com fama de má. Século XIX. Fazendeira, muito rica, contam-se inúmeras histórias do sadismo com que ela torturava e matava seus escravos. Uma releitura mais recente diz que não teria sido tão má como a pintaram, mas que tais boatos provêm do fato de ter sido uma mulher com muito poder na política local, “privilégio” reservado aos homens. Seja como for, a lenda da carruagem de Ana Jansen, rodando fantasmagoricamente pelas ruas antigas da São Luís histórica está aí no imaginário popular.

Outro símbolo da violência política na terra das palmeiras é Vitorino Freire. Político oligarca, coronelista, conhecido por perseguir, ameaçar, aniquilar opositores. O jornalista e escritor José Louzeiro, por exemplo, teve que ir embora do Maranhão, em 1953, ameaçado de morte por Vitorino Freire (a coisa boa é que no Rio de Janeiro, onde foi morar, Louzeiro escreveu livros, reportagens, roteiros de filmes e telenovelas que o consagraram como um importante escritor brasileiro).

Mas, na política, temos também nossos heróis. Citarei apenas um: Cosme Bento das Chagas. Cosme foi o grande líder do movimento popular conhecido como “Balaiada” (1838-1841). Foi um movimento dos pobres (escravos, ex-escravos, agricultores, etc.) contra os grandes fazendeiros, comerciantes e a elite governante local, cujas ações políticas estavam tão-somente voltadas para o seu próprio bem-estar e enriquecimento, enquanto a maioria da população maranhense padecia com a opressão e a exploração impostas por estes políticos. Enquanto vários balaios se entregaram ou traíram o movimento, o líder quilombola Cosme lutou até o fim: foi enforcado em 1842. Em homenagem a ele, em 2016, Flávio Dino, então governador do Maranhão, sancionou uma lei que estabelece o 17 de setembro como o Dia de Negro Cosme. Até os dias de hoje, a Balaiada continua sendo o grande símbolo da luta dos maranhenses por dignidade, justiça, respeito e contra as desigualdades sociais.

Por fim, mas ainda com muito por dizer, lembremos de singularidades como o tambor de crioula, o bumba-meu-boi, o reggae maranhense. Tão singulares que o tambor de crioula foi considerado patrimônio cultural do Brasil e o bumba-meu-boi, patrimônio cultural imaterial da humanidade.

Quanto ao reggae, é o “agarradinho” que o maranhense imprimiu ao dançar, o que torna esse gênero uma coisa bem singular.

Todas essas manifestações culturais expressam a alquimia da dor e do sofrimento transformados em prazer e alegria.

Quanto aos lençóis maranhenses... Bem, o que dizer? Apenas falar do espanto hipnotizante, do encantamento de se perder a vista em dunas, areia, lagoas que parecem se encontrar com o céu. Oxalá que jamais sejam privatizados, que os governantes não se descuidem jamais de proteger esse lugar. Visitem, assim que puderem, pois minhas palavras ainda não possuem poesia suficiente para descrever esse deserto paradisíaco.


Foto: Tambor de crioula. IPHAN, 2007.

9 comentários:

Anônimo disse...

Excelente, o Maranhão é singular.

Anônimo disse...

Que viagem linda por nossa história maranhense. Parabéns prof. Gilcênio. Como sempre brilhante , nesse mundo fascinante das letras.

Anônimo disse...

Parabéns professor e escritor Gilcênio por essa obra maravilhosa que retrata tão bem o nosso Maranhão.

Anônimo disse...

Parabéns professor e escritor Gilcênio, por essa obra maravilhosa que retrata tão bem o nosso Maranhão.

Anônimo disse...

Excelente!
Obrigada professor, por nos lembrar das riquezas do nosso Maranhão.

Professor Júlio Soares disse...

Muito bem querido professor Gilcênio. É uma honra trabalhar com vossa excelência.
O Maranhão é realmente riquíssimo em cultura e você está de parabéns em relembrar alguns nomes, que infelizmente muitos maranhenses desconhecem. Sousândrade foi um gênio João do Vale, apesar de analfabeto, teve suas musicas cantadas por grandes nomes da música brasileira como Fagner, Jackson do Pandeiro, Clara Nunes.
Parabéns.

Anônimo disse...

Excelente meu amigo

Marco Jorge disse...

Parabéns, garoto.

Anônimo disse...

Que incrível, meu professor. Obrigada por tanto e por nos lembrar o quão grandioso e riquíssimo de cultura, é o nosso Maranhão