Pulsão materna
Função materna
mãoterna
Pulsão paterna
Função paterna
pãoterno
materpaterna
patermaterno
Pulsão materna
Função materna
mãoterna
Pulsão paterna
Função paterna
pãoterno
materpaterna
patermaterno
Neste vídeo, temos um exemplo simples da importância da linguagem, para a criança, na apropriação de conceitos científicos no dia a dia.
Excelências.
Empresa de excelência.
Escola de excelência.
Excelência pessoal.
Excelências.
O conceito está por aí, persuadindo-nos que basta seguir alguns procedimentos e a excelência virá.
Virá?
A excelência contraria o óbvio: a imperfeição de que são constituídos os seres humanos, saudosos de um não-sei-o-quê que sempre nos acompanha.
Somos excelentes em nossas imperfeições.
Se não nos enquadramos no script da excelência, somos menos gente? Somos tão-somente um empecilho, carta fora do baralho? Mesmo que o roteiro nos reserve o papel de desentendido dos outros e algoz de si mesmo? Encaixe-se; ou será substituído.
Qual o preço dessa excelência? “Tome estas pílulas”, disse o médico da empresa ao meu taciturno amigo, num dos poucos dias em que este rapaz decidiu ser mais falante com os colegas de trabalho. “Você parecia alterado”, disse o médico ao meu amigo, que continua consumindo as milagrosas-pílulas-pró-excelência-empresarial.
O “excelente” professor de matemática da Escola Normal da minha infância ia aos sábados levar problemas para o meu pai resolver… Meu pai, que andava longe da excelência paterna, andava misteriosamente próximo duma suposta excelência matemática, mesmo tendo vivido na roça e mal concluído o primário… Não sabemos, talvez nunca saibamos, como é moldada a matéria de que nos constituímos...
Sei que somos insubstituíveis, pois mesmo que reponham a peça que você é, a nova peça será feita de outro material: a coisificação de outras experiências. Logo, você não estará sendo substituído. Cada ser humano é uma peça única: daí sermos insubstituíveis.
No Nordeste, excelência virou incelença. Mui interessante. Mudaram-se os prefixos: o ex (para fora) se transformou no in (para dentro). A incelença não é algo para “se amostrar”, mas para se viver, para se consolidar.
Ou para se rememorar, como algo que nos constituiu, como as incelenças, cantigas de sentinelas, benditos de defuntos…
… Tão gostosamente de se ouvir também — incelença — para o trato das autoridades que estão léguas e léguas distantes da excelência como pessoas boas…
Daí eu cantar incelenças: não só para o que se perdeu, mas para a vida, e para o que em nós buscamos: não a perfeição, mas o mistério.
O meu pai nunca se cansou da roça. Sempre trabalhou sem reclamar. Às vezes, mesmo com o sol pouco amigo, lá ia ele. E minha mãe, com as mãos nos quartos:
– Tu já vai de novo, homi?
Ele era, então, um típico homem da roça.
Mas teve um tempo em que ele voltava da roça aflito, célere, olhos irritados – e caía na rede e dizia que a cabeça doía. Então, o médico o proibiu de ir pra roça e, principalmente, pegar sol.
Mas papai nunca foi de passar uma tarde na rede, balançando-se com cantigas ao vento. Não; sempre foi um homem de atitude. Quando, lá mesmo no nosso povoado, abriram uma sala para alfabetização de adultos, papai foi o primeiro a se matricular. Chegou em casa todo feliz, contando a novidade.
– Vou ser estudante também, igual vocês – e apontou pra nós, eu, meu irmão caçula e minha irmã, um ano mais velha que eu.
Nós aplaudimos a decisão, mas mamãe foi contra:
– E tu tem lá cabeça pra aprender alguma coisa ainda?
– Vá estudar também, dona – disse minha irmã.
– E eu tenho cabeça?! – respondeu mamãe, atarantada e em fuga para o terreiro.
Mas papai foi estudar – e estudou – e aprendeu a ler.
Aí, teve aquele dia. Íamos pegar o carro na praça central de Pio XII, de volta para o povoado, quando papai viu o livro. Era um livro de Rubem Braga, cheio de contos, esquecido num banco da praça. Havia muitas pessoas esperando transporte para a zona rural da cidade, mas só meu pai viu o livro, como se sua recém adquirida habilidade de ler também tivesse lhe dado poderes magnéticos em relação aos objetos de leitura.
– Oxi… Esqueceram um livro aqui…
Papai saiu perguntando entre as pessoas que estavam ali pela praça se o livro era de alguma delas. Não, não era.
– Guarde com o senhor, seu Chico! – disse seu Nonato, o motorista da camionete.
Papai guardou, mas, cheio de escrúpulos como ele é, na segunda-feira foi à biblioteca municipal, ali na praça, pertinho de onde os moradores pegavam os carros com destino aos seus povoados, pois, segundo papai, alguém deveria ter pego emprestado na biblioteca e esquecido no banco da praça.
– Não, não é daqui – disse a bibliotecária, enquanto pesquisava no computador se o livro constava no acervo e se estava entre os emprestados.
Por fim, papai ficou com o livro. E o leu, por vários e vários dias. Chegávamos da escola e o encontrávamos embaixo do pé de manga, livro nas mãos, muita paciência e olhos que sorriam o mistério de uma beleza que não conseguíamos ver, mas sabíamos que estava lá.
Quando percebemos o interesse de papai pela leitura, pensamos um dia levar para ele livros que tínhamos acesso na biblioteca da escola em que estudávamos.
– Papai tem muita vontade de saber como era a avó dele – disse minha irmã. – Por isso, vou levar esse livro aqui.
E mostrou-me um bonito livro em capa dura intitulado “Mãe África”.
Papai gostou da novidade. Lia-o com avidez, inclusive à luz de velas, quando faltava energia no povoado – e olha que faltava com frequência. Ao terminar, nos perguntou:
– De onde saiu esse, tem mais?
Tinha. Na bibloteca da escola tinha uma parte da estante denominada “Literatura Negra”. Eu e minha irmã voltamos lá, escolhemos um livro cada um de nós e levamos emprestado. E foi assim que chegamos em casa com “Quarto de despejo”, de Carolina Maria de Jesus – e sobre quem havíamos assistido um documentário, na aula de português – e “Ponciá Vicêncio”, de Conceição Evaristo. Papai leu-os quase ao mesmo tempo. Depois da leitura, andava cabisbaixo, resmungando sozinho. Um dia mamãe perguntou o que ele tinha:
– A bichinha da Ponciá… – foi sua única e lacrimosa resposta.
– Essas leitura não tão fazendo bem pro seu pai – mamãe veio reclamar pra gente.
– Tão, sim! – respondeu minha irmã. – Até com um ar de inteligência papai tá agora, a senhora num tem reparado não?
– Pra mim ele num mudou nada – discordou mamãe, mas seus olhos em direção a papai pareciam dizer o contrário.
E mais cismada ela ficou quando papai anunciou que tinha uma viagem a fazer.
– Pra onde, homi?
– Vou bem ali, no Centro da Adelina, ver tia Aldina.
O Centro da Adelina fica a cerca de duzentos quilômetros do município de Pio XII. Mamãe não gostou da ideia.
– Fazer o quê? Sabe nem se tua tia é viva ainda…
– É claro que é! Como é que ela morreu e ninguém ficou sabendo?
Ajudamos a estabelecer alguns contatos, descobrimos que sua tia Aldina era viva, sim, e papai viajou.
Era para ser uma viagem de três dias, mas durou dez.
Minha irmã e meu irmão jogavam bola no terreiro em frente de casa, eu ajudava mamãe a levar para dentro as coisas que estavam no jirau, quando seu Nonato da camionete parou e papai desceu do carro, tão feliz que parecia mais moço. Foi abraçando a gente e contando logo as novidades.
Estava muito feliz por ter reencontrado sua tia Aldina que, apesar dos seus oitenta e oito anos, continuava lúcida e faladeira.
– Olhem isso aqui – e ele tirou da mochila uma pasta dessas de escola, de plástico transparente. Dentro dela, apenas um desenho. Uma mulher negra idosa, de olhar altivo e cocó.
– Quem é essa aí? – perguntou mamãe.
– Minha vó – respondeu papai, sem esconder o orgulho.
– Tua vó?
– Sim, minha vó, dona Joana Aldina da Conceição.
Mamãe olhava e olhava para o desenho, com um estranho encantamento.
Depois, papai plastificou o desenho que, contou-nos ele, havia sido feito por um filho de um primo seu, este, por sua vez, filho de sua tia Aldina. O desenhista fez o retrato a partir das lembranças e das vívidas descrições da tia Aldina.
O desenho foi colocado numa moldura e pregado na parede. E quando chegava gente lá em casa, não era papai quem fazia propaganda da nossa bisavó, era mamãe quem, sem disfarçar o orgulho, fazia questão de apontar para o quadro – como que para um tesouro que estivera oculto por anos e anos – e perguntar às visitas:
– Já viu o retrato da vó de Chico?
Pio XII, Maranhão, 23/02/2025, 16:42 hs. Para meus queridos alunos e alunas do Centro Educa Mais Jansen Veloso.