Há um
episódio pouco conhecido da história do Brasil. Trata-se do “Quebra-quilos”,
revolta que começou na Paraíba e espalhou-se por outros estados nordestinos.
Era época do Império,
sob a regência de Dom Pedro II. Em 1862, o governo imperial tornou obrigatório
o uso do Sistema Métrico Francês, em substituição ao sistema de pesos e medidas
vigente na época. Foi estabelecido o prazo de dez anos para a substituição
gradual de um sistema pelo outro. Mas, passado esse prazo, poucas providências tinham
sido tomadas para que as mudanças acontecessem. O governo determinou que a
partir de julho de 1873 as mercadorias deveriam ser medidas ou pesadas de
acordo com o novo sistema de pesos e medidas e quem desobedecesse a essa ordem
seria punido com multa ou prisão.
Naquela época
usavam-se medidas como a vara para a venda
de tecidos, as libras e os arreteis
para a carne seca, o bacalhau e o açúcar. Líquidos se mediam em canadas e quartilhos e o arroz, o feijão e a farinha em selamins, quartas e alqueires. A obrigatoriedade de abandonar
essas medidas tradicionais e adotar o sistema métrico francês, aliada às
medidas repressivas como a prisão pelo não cumprimento da lei, além dos altos
impostos cobrados pelo governo, fez com que a revolta eclodisse, levando as
pessoas a questionar as autoridades governamentais, recolher os pesos e medidas
e jogá-los nos açudes. De 1874 a 1875, populações da Paraíba, Pernambuco, Rio
Grande do Norte e Alagoas enfrentaram as forças do governo imperial. Essa foi a
Revolta do Quebra-Quilos.
Eis que estamos
numa reunião para discutir o ensino da matemática no ciclo de alfabetização e
levanto a questão dessas medidas não oficiais, ainda hoje existentes, principalmente
na zona rural, e que muitas vezes a escola ignora ou discrimina. São dados
exemplos os mais variados, mas o que mais me chama a atenção é o relato da
professora Maria do Carmo, que lembra que muitos homens, quando vão comprar
calça, usam o próprio pescoço como instrumento de medida: colocam a metade da circunferência
externa da calça (a parte de trás, a parte da bunda) ao redor do pescoço; se as
extremidades se encontram, sem sobra de tecido, a calça serve. Diante de minha admiração, as demais pessoas
presentes confirmam a infalibilidade do método, com uma ressalva: não vale para
as mulheres, só para os homens. Todos ali já sabiam disso, exceto eu.
Vejo essa
forma de comprar calças masculinas como uma rebeldia silenciosa e criativa do
povo contra as medidas padronizadas da indústria de confecções.
Eis que
estamos numa reunião de orientadores de estudos, novamente discutindo conceitos
e métodos para o bom encaminhamento da matemática nos anos iniciais de escola,
e relato aos meus companheiros e companheiras de reflexões a “minha” descoberta
daquele método de comprar calças. Todos sorriem com meu ar de surpresa: não era
novidade para eles. Mesmo assim, decido fazer uma enquete e peço que, como eu,
levante a mão quem desconhecia aquele inusitado uso do pescoço masculino;
ninguém ergueu o braço; eu, somente eu, ignorava esse gesto social que acontece
diariamente em milhares de feiras e lojas de roupas pelo Brasil afora. Terminada
a rápida enquete, uma colega me pergunta onde eu nasci, questionamento que eu
traduzi como: “de que planeta você é?”.
Chego em casa
ainda encantado com a novidade-já-não-tão-nova (encanto-me facilmente com as
coisas que aprendo) e vou jantar um belíssimo baião-de-dois.
Baião-de-dois
feito com um mói de feijão verde comprado
na véspera. Faltou a cuia de farinha.
Pio
XII, Maranhão, 18h31min de 11/01/2015.
Para todos os que
lutam pela alfabetização na idade certa em nosso país.
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