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sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Rivânia


Tenho visto pessoas ensimesmadas, com ar de indiferença ou cara de poucos amigos.
Tenho visto pessoas narcisicamente olhando para suas telinhas, fingindo para si mesmas que estão a cumprir relevante dever cívico ou a estabelecer amizades autênticas.
Pateticamente encapsuladas em suas bolhas, a vizinhança física é casual: “acidentalmente” são membros da mesma comunidade.
Nesse estado de sonambulismo, como captar ínfimas partículas de cotidiana poesia e o lirismo, a irromper da rotina ou, quiçá, da mais asfixiante existência?
Se estamos cegos para as sutis surpresas da alma, esse gênero, a crônica, está com seus dias contados? Por vivermos num mundo consumista, imediatista, narcisista, entrou na lista das espécies (literárias) em extinção esse gênero que já proporcionou algumas das mais belas páginas da nossa língua?
Então, lá do interior do país, uma menina de apenas oito anos faz a inesperada magia de transformar pessimismo em esperança. Seu nome? Rivânia.
Ela e sua família foram atingidas pelo alagamento provocado por chuvas intensas, no interior de Pernambuco, na cidade de São José da Coroa Grande.
Quando tiveram que sair da casa alagada, a avó de Rivânia pediu à neta que salvasse o que fosse de mais importância para ela. Rivânia pegou os livros didáticos e os colocou numa mochila, antes de entrar no pequeno barco que resgataria ela e a avó.
A foto de Rivânia agarrada à sua mochila de livros viralizou na internet. E a pobre menina, vivente de um universo paralelo no qual os sonhos infantis não cabem nas telas dos smartphones, realizou, sem que o saiba, a magia de que falamos: o “efeito esperançavem de sua atitude para com os livros, estes sim, objetos essenciais, portadores de uma cultura sólida, universal, intuiu sabiamente, em sua muda convicção, a pequena Rivânia.
A imagem de Rivânia apegando-se à solidez dos seus livros, em contraste com a ameaça líquida à sua volta, nos liga ao passado e ao futuro e nos desliga do efêmero.
Graças a Rivânia voltamos, por um momento, a nos reconectar à vida concreta.
E a redescobrir o lirismo, que faz da crônica um gênero atemporal.


Pio XII, Maranhão, 04 de junho de 2017.

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