Tenho visto
pessoas ensimesmadas, com ar de indiferença ou cara de poucos
amigos.
Tenho visto
pessoas narcisicamente olhando para suas telinhas, fingindo para si
mesmas que estão a cumprir relevante dever cívico
ou a estabelecer amizades autênticas.
Pateticamente
encapsuladas em suas bolhas, a vizinhança física
é casual: “acidentalmente” são membros da mesma comunidade.
Nesse
estado de sonambulismo, como captar ínfimas
partículas
de cotidiana poesia e o lirismo, a irromper da rotina ou, quiçá, da
mais asfixiante existência?
Se estamos
cegos para as sutis surpresas da alma, esse gênero, a crônica,
está
com seus dias contados? Por vivermos num mundo consumista,
imediatista, narcisista, entrou na lista das espécies (literárias)
em extinção esse gênero que já proporcionou algumas das mais
belas páginas da nossa língua?
Então, lá
do interior do país,
uma menina de apenas oito anos faz a inesperada magia de transformar
pessimismo em esperança. Seu nome? Rivânia.
Ela e sua
família
foram atingidas pelo alagamento provocado por chuvas intensas, no
interior de Pernambuco, na cidade de São José da Coroa Grande.
Quando
tiveram que sair da casa alagada, a avó de Rivânia pediu à
neta que salvasse o que fosse de mais importância para ela. Rivânia
pegou os livros didáticos e os colocou numa mochila, antes de entrar
no pequeno barco que resgataria ela e a avó.
A
foto de Rivânia agarrada à
sua mochila de livros viralizou na internet. E a pobre menina,
vivente de um universo paralelo no qual os sonhos infantis não cabem
nas telas dos smartphones, realizou, sem que o saiba, a magia de que
falamos: o “efeito
esperança”
vem
de sua atitude para com os livros, estes sim, objetos essenciais,
portadores de uma cultura sólida,
universal, intuiu sabiamente, em sua muda convicção, a pequena
Rivânia.
A
imagem de Rivânia apegando-se à solidez dos seus livros, em
contraste com a ameaça líquida à sua volta, nos liga ao passado e
ao futuro e nos desliga do efêmero.
Graças
a Rivânia voltamos, por um momento, a nos reconectar à vida
concreta.
E
a redescobrir o lirismo, que faz da crônica
um gênero
atemporal.
Pio
XII, Maranhão, 04 de junho de 2017.
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