“A mente, esta
ninguém pode escravizar” (Maria Firmina dos Reis).
Nesse 20 de
novembro, Dia da Consciência Negra, gostaria de ressaltar a
importância da escritora maranhense Maria Firmina dos Reis e do seu
romance “Úrsula”.
Dez anos antes de
Castro Alves escrever “O navio negreiro”, Maria Firmina já
denunciava o horror da escravidão em seu livro “Úrsula”, de
1859, como nesse trecho em que a personagem Suzana descreve quando é
aprisionada, jogada no “infecto porão de um navio” e trazida
para o Brasil como escrava:
Vou contar-te o
meu cativeiro.
Tinha chegado o
tempo da colheita, e o milho e o inhame e o amendoim eram em
abundância nas nossas roças. […]
Ainda não tinha
vencido cem braças do caminho, quando um assobio, que repercutiu nas
matas, me veio orientar acerca do perigo eminente que aí me
aguardava. E logo dois homens apareceram, e
amarraram-me com
cordas. Era uma prisioneira — era uma escrava! Foi embalde que
supliquei em nome de minha filha, que me restituíssem a liberdade:
os bárbaros sorriam-se das minhas lágrimas, e olhavam-me sem
compaixão. Julguei enlouquecer, julguei morrer, mas não me foi
possível... A sorte me reservava ainda longos combates. Quando me
arrancaram daqueles lugares, onde tudo me ficava — pátria, esposo,
mãe e filha, e liberdade! Meu Deus, o que se passou no fundo da
minha alma, só vós o pudestes avaliar!
Meteram-me a mim
e a mais trezentos companheiros de infortúnio e de cativeiro no
estreito e infecto porão de um navio. Trinta dias de cruéis
tormentos, e de falta absoluta de tudo quanto é mais necessário à
vida passamos nessa sepultura, até que abordamos às praias
brasileiras. Para caber a mercadoria humana no porão fomos amarrados
em pé, e, para que não houvesse receio de revolta, acorrentados
como os animais ferozes das nossas matas, que se levam para recreio
dos potentados da Europa: davam-nos a água imunda, podre e dada com
mesquinhez, a comida má e ainda mais porca; vimos morrer ao nosso
lado muitos companheiros à falta de ar, de alimento e de água. É
horrível lembrar que criaturas humanas tratem a seus semelhantes
assim, e que não lhes doa a consciência de levá-los à sepultura
asfixiados e famintos!
Muitos não
deixavam chegar esse ultimo extremo — davam-se a morte.
Nos dois últimos
dias não houve mais alimento. Os mais insofridos entraram a vozear.
Grande Deus! Da escotilha lançaram sobre nós água e breu fervendo,
que escaldou-nos e veio dar a morte aos cabeças do motim.
A dor da perda da
pátria, dos entes caros, da liberdade fora sufocada nessa viagem
pelo horror constante de tamanhas atrocidades.
Não sei ainda
como resisti — é que Deus quis poupar-me para provar a paciência
de sua serva com novos tormentos que aqui me aguardavam. […]
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