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segunda-feira, 20 de novembro de 2017

"A mente, esta ninguém pode escravizar"


“A mente, esta ninguém pode escravizar” (Maria Firmina dos Reis).
Nesse 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, gostaria de ressaltar a importância da escritora maranhense Maria Firmina dos Reis e do seu romance “Úrsula”.
Dez anos antes de Castro Alves escrever “O navio negreiro”, Maria Firmina já denunciava o horror da escravidão em seu livro “Úrsula”, de 1859, como nesse trecho em que a personagem Suzana descreve quando é aprisionada, jogada no “infecto porão de um navio” e trazida para o Brasil como escrava:

Vou contar-te o meu cativeiro.
Tinha chegado o tempo da colheita, e o milho e o inhame e o amendoim eram em abundância nas nossas roças. […]
Ainda não tinha vencido cem braças do caminho, quando um assobio, que repercutiu nas matas, me veio orientar acerca do perigo eminente que aí me aguardava. E logo dois homens apareceram, e
amarraram-me com cordas. Era uma prisioneira — era uma escrava! Foi embalde que supliquei em nome de minha filha, que me restituíssem a liberdade: os bárbaros sorriam-se das minhas lágrimas, e olhavam-me sem compaixão. Julguei enlouquecer, julguei morrer, mas não me foi possível... A sorte me reservava ainda longos combates. Quando me arrancaram daqueles lugares, onde tudo me ficava — pátria, esposo, mãe e filha, e liberdade! Meu Deus, o que se passou no fundo da minha alma, só vós o pudestes avaliar!
Meteram-me a mim e a mais trezentos companheiros de infortúnio e de cativeiro no estreito e infecto porão de um navio. Trinta dias de cruéis tormentos, e de falta absoluta de tudo quanto é mais necessário à vida passamos nessa sepultura, até que abordamos às praias brasileiras. Para caber a mercadoria humana no porão fomos amarrados em pé, e, para que não houvesse receio de revolta, acorrentados como os animais ferozes das nossas matas, que se levam para recreio dos potentados da Europa: davam-nos a água imunda, podre e dada com mesquinhez, a comida má e ainda mais porca; vimos morrer ao nosso lado muitos companheiros à falta de ar, de alimento e de água. É horrível lembrar que criaturas humanas tratem a seus semelhantes assim, e que não lhes doa a consciência de levá-los à sepultura asfixiados e famintos!
Muitos não deixavam chegar esse ultimo extremo — davam-se a morte.
Nos dois últimos dias não houve mais alimento. Os mais insofridos entraram a vozear. Grande Deus! Da escotilha lançaram sobre nós água e breu fervendo, que escaldou-nos e veio dar a morte aos cabeças do motim.
A dor da perda da pátria, dos entes caros, da liberdade fora sufocada nessa viagem pelo horror constante de tamanhas atrocidades.

Não sei ainda como resisti — é que Deus quis poupar-me para provar a paciência de sua serva com novos tormentos que aqui me aguardavam. […]

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