Saudades da infância... Que está logo ali, faz muito tempo não.
Eu era um menino bem saliente, caçador de conversa. Quer dizer: não é que eu quisesse caçar conversa, eu só era um garoto bem humorado, que queria levar um pouco de alegria às pessoas à minha volta. Mas eu era incompreendido. É paia, ó, mas a verdade é que fui muito, muito injustiçado quando criança.
Mamãe, por exemplo.
Um dia cheguei da escola brocado, fui tirando a camisa e gritando, com toda autoridade:
— Cadê o dicumê, dona?
Ela limpou as mãos no vestido e só me olhou com aquele olhar exterminador de mãe superestressada.
E eu, ainda me achando o engraçado da história:
— Cadê o dicumê, dona? Ó, teve merenda hoje na escola não...
E a frase fatídica:
— Parece que a senhora já tá mais mouca que dona Salustiana...
Rapá... Foi uma coisa assim na velocidade da luz: senti foi aquele tabefe nas costas... Eu estava bebendo um copo d’água, que foi parar longe (sorte que era de plástico).
— Tá pensando o quê, Ribamar? Eu num sou teus pariceiro não! Vai me chamar de louca de novo, viu?
E eu, tentando controlar o choro, sem prever que a emenda sairia pior que o soneto:
— Mouca! Num foi louca, foi mouca que eu falei!
Outro tapa bem dado, que meu braço logo inchou. Aí, o inevitável: as lágrimas escapuliram, teve jeito não...
— Mouca tua venta! E o dicumê inda vai demorar. Agora, te faz de doido, viu?
Saí choramingando de-va-ga-ri-nho, todo coitadinhozinho, sentei no sofá e liguei a televisão. Queria prestar atenção no desenho, enquanto massageava o braço (já que minha mão não conseguia alcançar as costas). Minha irmã chegou.
— José, ó os ingresso pro circo, que eu ganhei...
E eu, dolorido, injustiçadíssimo, revoltado, nem liguei.
— José, ó os ingresso que eu gan- — e quando ela colocou bem diante dos meus olhos, dei um tapa que foi ingresso pra todo lado.
— Quero saber dessa besteira não! — falei, num tom arrogante-lacrimoso.
— Eita, me engole logo! — a bichinha de Maria, tão paciente... Só recolheu os ingressos e perguntou:
— Que foi que aconteceu aqui?
Contei tudo, numa narrativa muito mais melodramática que os dramáticos acontecimentos.
E Maria:
— Mas também eu tô é tu! Já conhecendo mamãe, querer vir com essas gracinhas pro lado dela. Só num vou dizer que foi bem empregado, porque tô vendo aí o estado do braço...
Senti o cheiro da comida provocando-me, mas mantive minha heroica impassibilidade. E, com pouco:
— Mamãe tá chamando pra comer — anunciou Maria.
Eu gostaria muitíssimo de me manter inflexível, de não me mover do sofá, num protesto silencioso, mas como o negócio já estava muito reimoso, me encaminhei pra mesa caladinho.
A refeição foi toda silêncios.
Quando mamãe foi recolher os pratos, me perguntou:
— Tava prestando, a comida?
E eu, já esquecido de tudo:
— Rum, tem parea não...
Imagem disponível em: https://pixabay.com/pt/photos/arroz-feij%C3%A3o-almo%C3%A7o-saud%C3%A1vel-6389038/
2 comentários:
Parabens companheiro Gilcênio!! 👏👏👏👏
Gilcenio sempre muito criativo em suas produções, parabéns amigo.
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